For Sama

EM ALEPPO, O OLHAR FEMININO NA GUERRA


A mulher e seu olhar sobre a guerra, alguns filmes importantes foram realizados a partir desse ponto de vista, marcantes como as ficções Guerra ao Terror, de Katryn Bigelow (EUA, 2010), também dela A Hora Mais Escura (EUA, 2012), e As Filhas do Sol, de Eva Hudson (França, 2018), alguns exemplos.
Desta vez, o documentário For Sama, tocante, impressionante e surpreendente produção do Channel 4 (Reino Unido, 2019) sobre a guerra civil da Síria, indicado ao Oscar de Melhor Documentário em 2020. Filmado por uma jornalista em Aleppo, Waad Al-Kateab, de origem síria, a cobertura in loco durante os bombardeios e atrocidades lá cometidos pelo exército russo de apoio ao ditador Bashar Al-Asad em ataques violentos contra os rebeldes, civis, na cidade que tornou-se símbolo de um lugar e um povo massacrados numa guerra sangrenta.
Um filme rodado durante 5 anos, com mais de 500 horas brutas, por uma mulher, casada com um médico ativista dedicado ao atendimento das vítimas num hospital, com quem teve uma filha, Sama, durante os conflitos. Filme de alta voltagem, emocionante, o olhar feminino na guerra, revelando o dia-a-dia de horror, luta, sofrimento, medo, esperança. Narrado pela própria jornalista, numa linguagem como se contando uma história para sua filha, Sama, presente em muitas cenas junto da mãe. O filme faz cortes no tempo, alternando o antes e o depois do nascimento de Sama. Um filme corajoso, que alia o público e o privado.
A jornada de uma jovem mulher e mãe na experiência terrível da guerra, que além de jornalista, cinegrafista e diretora, é testemunha e personagem de uma narrativa por ela observada, sentida, vivida, filmada, elaborada, construída. Sons e imagens, com câmera na mão, diretas dos acontecimentos, ruas, casas, escolas e hospitais, homens, mulheres, crianças e famílias, feridos, vítimas e sobreviventes, diante do horror, bombardeios, explosões, correrias, desespero, enfrentamentos, resistência, vida e morte.
For Sama, cinema do real na acepção da expressão, que identifica a interpretação da realidade, mediada pela subjetividade do/a documentarista que a filma.
Em Aleppo, o massacre, o genocídio, o crime humanitário. Na guerra civil síria, entre 2011 e 2016, mais de 400 mil mortos.
No olhar da diretora, o íntimo e o épico. No plano fechado, sensível, rostos e lágrimas, medo, tristeza e aflição, cenas fortes de atendimento a feridos. Nos planos abertos, externos, os travellings de câmera e o uso de drones permitem ver a cidade fantasma, destruída, o flagelo diário sob a constante fumaça negra, os avermelhados do pôr do sol antes da noite cair, e o céu cinza, talhado de aviões na constante ameaça do ataque aéreo.
Sama, o nome da pequenina filha, quer dizer céu, no desejo de sua mãe por um céu limpo que possa um dia clarear e proteger a vida que volte a existir aqui embaixo.
Ao final, os sobreviventes de Aleppo capturados pelo exército russo, de partida para o exílio marcham cabisbaixos com seus pertences pelas ruas. Entre destroços passam por um ônibus bombardeado e queimado, nele grafitada a inscrição "Voltaremos".

Algumas das frases da narração de Waad Al-Kateab no filme.
"Nunca achamos que o mundo deixaria isso acontecer".
"Continuo filmando. Filmar me dá um motivo para estar aqui".
"Sama, fiz esse filme para você. Quero que entenda por que seu pai se eu fizemos essas escolhas. Pelo que estávamos lutando".
"Na Aleppo rebelde, morávamos em um país livre, finalmente sentíamos que tínhamos um lar, pelo qual estávamos preparados para morrer".
"O bombardeamento a hospitais acaba com o espírito das pessoas. O ataque destruiu completamente nosso hospital. Não há tempo para luto em Aleppo".
"Mesmo quando fecho os olhos, vejo a cor vermelha. Sangue por toda a parte. Nas paredes, nos pisos, em nossas roupas. Às vezes, choramos sangue".
"Dizer adeus é pior que a morte. Sama, você lembrará de Aleppo?".
"Achei que tínhamos perdido tudo quando perdemos Aleppo. Mas não. As pessoas que filmei nunca me deixarão".

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