A Chance de Fahim

CINEMA, INFÂNCIA E DIVERSIDADE


A Chance de Fahim (2019, de Pierre-François Martin-Lava) é um filme sobre um menino imigrante de Bangladesh, clandestino em Paris, na abordagem de um universo infantil de formação e contrastes. O menino, vivido pelo ator mirim Assad Ahmed, é personagem real, o bengali Fahim Mohammad. Na tela a história da fuga de seu país e de uma vida miserável, junto com seu pai, e a chegada na França, em 2008, aos 8 anos, em busca da oportunidade de se aprimorar no ótimo domínio que tem no jogo de xadrez, e com o objetivo de pedir asilo no país europeu.
Filme que tem a ingenuidade do olhar infantil, doce, determinado e rebelde, de Fahim, que trata do problema da imigração clandestina, sua contextualização, mesmo que sem maior aprofundamento, e que aposta na complexidade, na simbologia e nas estratégias do xadrez, para desenvolver uma narrativa com conflito, impasses e tensões, com boa dramaticidade e momentos de comicidade.
No tabuleiro, a partir dele e no seu ao redor, as batalhas de Fahim se sucedem, no aprendizado das técnicas do jogo, no entendimento da língua estrangeira, nas artimanhas da vida clandestina, nos confrontos com os adversários no xadrez, na luta para sobreviver.
No papel do professor nas aulas de xadrez, Gérard Depardieu, com um desempenho onde o ator explora o seu clássico mau humor, marca habitual dos seus personagens, que oscila e transita da impaciência para o afeto e a generosidade, na transformação que resulta de seu relacionamento conturbado com o jovem aprendiz. É do professor Sylvain, a frase para o garoto: " ‐- o xadrez não é um jogo, mas uma batalha entre duas mentes".
A chance de Fahim, título do filme, se dá exatamente pelo seu dom para jogar e pela possibilidade de seu aceite por quem vai lhe dar as regras e os truques para mover as peças, vencer no jogo, e ultrapassar os inúmeros obstáculos postos para um menino em sua aventura e desventura de pequeno imigrante clandestino. Os conflitos de Fahim são diversos, com seus colegas de turma, com seu pai, com seu mestre, seus competidores, e que se estendem ao confronto maior, no campo da identidade cultural e étnica, entre franceses e refugiados.
O processo de Fahim em seu caminho árduo, durante 4 anos na ilegalidade, é mostrado em muitas camadas, entre o tom ácido e o poético, no choque cultural e na disputa pessoal. Uma trajetória de avanços e recuos, marcado por vitórias, expectativas, tropeços, desistências e crises, numa sucessão de campeonatos, até os desafios e superações finais, que vão levá-lo a ser o primeiro campeão nacional mirim de xadrez na França, em 2012, na dura e amarga condição de imigrante.
Um filme sobre o abismo social da imigração clandestina na Europa, sobre o fantasma da deportação, a luta pela dignidade humana, a perseverança e a solidariedade.
O título de campeão nacional vai permitir ao menino e à sua família a concessão do perseguido asilo político. O que faz do filme, diferente de outros sobre a mesma temática, um testemunho de uma França mais humanista e acolhedora, e uma narrativa que não deixa de apostar, em suas diversas voltas, na esperança e no otimismo.
Cinema e infância pobre, sagas de pequenos personagens marginais do mundo asiático, árabe, islâmico, iraniano, indiano, seus dramas, dilemas, limites e percalços, foram temas de alguns filmes nas últimas décadas, amargos e ternos, entre eles, O Balão Branco (1995), Filhos do Paraíso (1997), A Maçã (1998), Tartarugas Podem Voar (2004), Quem Quer Ser um Milionário? (2008), O Sonho de Wadjda (2012), A 100 Passos de um Sonho (2014), Lion-Uma Jornada para Casa (2016), O Caçador de Pipas (2017), Cafarnaum (2018), e os mais recentes, de 2019, Os Miseráveis e este A Chance de Fahim.
Romantização, escapismo, tom de fábula, clichês, reconciliação cultural, caráter inspirador, são possíveis adjetivos críticos à proposta do filme, que buscou um resultado de impacto, afeto e emoção, e que não lhe tira o mérito de ser um filme intenso, sobre o antagonismo social, sobre a pauta imigratória e da diversidade, sobre o sonho, sobre a persistência.

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