Bagdad Café

NO DESERTO MÁGICO DE BAGDAD CAFÉ


Na triste quarentena dos cinemas fechados, face à epidemia do coronavírus, sem filmes na tela grande, alguns canais de TV podem nos trazer preciosidades, a garimpar, rever, revisitar, reencontrar.
E assim, nessa direção, conseguí viajar pelo deserto de Mojave no Arizona, conduzido pelo diretor alemão Percy Adlon, na história densa, divertida e emocionante de BAGDAD CAFÉ (Out of Rosenheim / Alemanha, 1987, Prémio César de Melhor Filme Estrangeiro em 1989) exibido no canal de assinatura Eurochannel.
Da desconfiança, suspeita e estranhamento à amizade e fraternidade entre duas personagens tão diversas e opostas, a turista alemã Jasmin e a negra norte-americana Brenda, dona do Bagdad Café, num cenário de aridez próximo à desolação. Lugar real e imaginário, num posto de gasolina acoplado a um motel para viajantes, no meio da aspereza, da secura e da poeira, onde param caminhões e destinos, e que vai se transformar, aos poucos, numa casa de festa, música, mágicas, alegria, ilusão e fantasia. A narrativa, entrecortada por imagens exteriores de planos gerais da estrada e do deserto ao redor, faz predominar a côr vermelha do pôr do sol, numa fotografia de aquecimento, de rara beleza.
Na história, dramas, tensões, surpresas e estripulias, envolvendo os vários tipos que habitam o café e o motel, personagens de um ótimo roteiro, no entorno das protagonistas Jasmin e Brenda. Entre eles, a filha adolescente de Brenda, rebelde e impulsiva, o jovem filho obcecado e apaixonado pelo piano, o funcionário indígena solicitado a fazer de tudo, a tatuadora sexy que faz sucesso entre os caminhoneiros, o jovem mochileiro que pede para acampar no local, e que se dedica a arremessar seguidamente um boomerang, que vai e volta, cruzando o céu, a significar movimentos de idas e retornos. E, finalmente, o velho pintor, sedutor, exótico em seu estilo hippie, morador de um trailer estacionado ao lado do motel. Entre eles, a troca de sentimentos, amarguras, anseios, cumplicidades, expectativas, e um sentido para a vida. As cenas, intercaladas, em que o pintor em sua tela, passa a retratar Jasmin, no seu quarto, em variadas poses, no lento e progressivo desnudamento de seu corpo e seu desejo, expressam o erotismo ousado e refinado entre artista e modelo, subindo a fervura do filme.
Ao som de Calling You, do compositor Bob Telson, indicada ao Oscar de melhor canção original ("A desert road from Vegas to nowhere... I am calling you, can't you hear me?") as atuações impecáveis e luminosas das atrizes Marianne Sägebrecht como Jasmin, CCH Pounder como Brenda, e do ator Jack Palance como o pintor Rudi Cox, destaques no afinado elenco.
BAGDAD CAFÉ, um filme cult, fascinante, intenso, delicado, um dos melhores sobre a generosidade, a solidariedade, os desafios e contrapontos da compreensão da diferença, do encontro de afetos, do aceite do outro cultural. Um filme sobre a arte e a chance do encontro e do acolhimento.



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