Billie Holiday

O FASCÍNIO LADY DAY. E DE SUA REPRESENTAÇÃO.


Billie Holiday foi uma das mais notáveis cantoras norte-americanas do jazz e do blues. Uma das grandes artistas de todos os tempos, como foram também Judy Garland e Marilyn Monroe, com vidas marcadas pelo deslumbre, pelo sublime e pelo trágico.
Lady Day foi um assombro meteórico, um cometa de brilho intenso, que nos deixou em 1959 com apenas 44 anos. "All of Me", "Strange Fruit", "Autumn in New York", "Me, Myself and I", "Love for Sale", "It's Not For Me To Say", "Solitude", "Body and Soul", são clássicos eternos na voz personalíssima, rouca, doída, apaixonada, emotiva, da estrela de vida curta e carreira lendária e mítica. De uma obra com discos antológicos como "Billie Holiday Sings" (1952), "The Essencial Billie Holiday" (1956), "Body and Soul" (1957), "Lady in Satin" (1958), entre outros.
O filme "The USA vs Billie Holiday" (2020 / de Lee Daniels) traz Billie Holiday no auge de sua carreira, interpretada magistralmente por Andra Day, que venceu o Golden Globe e foi indicada ao prêmio de melhor atriz no Oscar. Atriz que encarna a persona de Billie com intensidade dramática admirável e nos faz ouvir a cantora através de seu próprio canto, a voz original de Billie não é utilizada nenhuma vez no filme. 
A força e a potência da recriação da carreira trágica da grande estrela do jazz é o ponto mais alto do filme, por uma intérprete pela primeira vez como protagonista no cinema de Hollywood. Andra Day se transmuta em Lady Day numa atuação de brilho, em imagem e voz, que nos toca, emociona e deslumbra, contida e transbordante, irretocável.
O filme faz diversos recortes na trajetória de Billie, sua vida em permanente crise, sua entrega ao álcool e à heroína, bastidores dos camarins de seus shows, suas acidentadas e conturbadas relações amorosas, suas performances mágicas, magistrais e consagradas nos palcos, dos pequenos night clubs ao esplendor da Broadway e do Carnegie Hall. 
Mas o foco do filme é a intensa e brutal censura e perseguicão da polícia federal de narcóticos à estrela pelo uso de drogas. Este o caminho legal para, na verdade, conseguir proibí-la e puní-la por sua insistência em cantar "Strange Fruit", canção impiedosa sobre o racismo, libelo sobre a prática do linchamento de negros nos USA. O que a leva a julgamento e prisão, onde passa por humilhações e exemplarização, pela verdadeira acusação, a de insuflar revoltas raciais com sua música. 
Billie é concebida no filme como uma artista que expressa suas dores pessoais em suas canções e consciente de seu papel de expressar a dor maior da opressão de sua gente pela violência do Estado.
"The USA vs Billie Holiday" conta sobre essa perseguição implacável, mostra a força de Billie na vida e nos palcos, e também sua fragilidade nos combates que vai perdendo, o principal deles para o vício das drogas. Na música, a amizade e parceria com o saxofonista Lester Young, a inspiração em Bessie Smith, a excelência de um estilo, de fraseado e sensualidade, e de um repertório de primeira grandeza.
Billie Holiday, uma cantora traduzida no filme no seu alto requinte e vulnerabilidade. Drama e musical que traduz, também e principalmente, o duro e difícil trajeto de uma artista que imprime e impregna alma, coração e um inequivoco traço e identidade de raça em sua performance. Sua morte, precoce, soma e reúne várias derrotas, no amor e nas drogas, mas com lugar proeminente para a violência policial e racial.
No início do filme, Billie aparece, já em 1958, sendo entrevistada pelo famoso jornalista especializado em celebridades, Reginald Devine. Que lhe faz a pergunta cínica: "— Como é ser uma mulher de cor?"
Segue daí um trecho da entrevista, respostas em tom blazé da cantora ("— Perguntaria a Doris Day uma coisa dessas?") e segue o filme, a vida, a carreira, os sucessos, a história de encontros e desencontros, quedas e levantes, de Billie Holiday. Num país marcado pela segregação racial, onde uma encantada e trágica Lady Day tentou impor sua música, seu canto, sua voz.
Andra Day não conseguiu vencer o Oscar 2021 de melhor atriz. Lady Day não conseguiu vencer as lutas que travou em vida. Mas o resultado da arte de ambas é comovente, uma festa do melhor jazz e blues para olhos e ouvidos.

Nos créditos finais do filme, a inserção: 
"Em 1978, o disco single Strange Fruit foi incluido no Grammy Hall of Fame. A Revista Time a chamou de Música do Século".

"Árvores do Sul com frutos estranhos,
Sangue nas folhas e sangue nas raizes,
Corpos negros balançando na brisa do Sul,
(...) Aqui está uma colheita estranha e amarga".
(Strange Fruit / Abel Meeropol)

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