Diversos e Monocromáticos

DIVERSOS E MONOCROMÁTICOS


Quatro filmes em cartaz, a meu ver sofríveis e incompletos, recomendados por bons críticos e premiados em festivais ao longo de 2019. O cinema provoca diversidade na interpretação, na leitura, na expectativa. Aqui, entro na contramão, com um olhar um pouco diverso na sua apreciação.
Synonymes, de Nadav Lapid (drama e paródia - França / Alemanha / Israel); Uma Mulher Alta, de Kantemir Balagov (drama histórico, reflexivo - Rússia); O Paraíso Deve Ser Aqui, de Elia Suleiman (sátira política - Qatar / França / Alemanha / Turquia / Palestina); O Farol, de Robert Eggers (terror psicológico - Canadá / EUA).
Em Synonymes, um israelense, vivido pelo ator Tom Mercier, entre o errante e o insólito, chega em Paris, determinado a livrar-se de sua origem judaica e construir nova identidade, a partir de novas interações e contatos, e com a ajuda de um dicionário, como um estrangeiro que quer se transformar em um francês. Num jogo meio nonsense, e de fetiche identitário, o abandono de língua, cultura e lugar, e de seu proprio passado, para embarque na imaginação de tornar-se outro. Entre críticas e fantasias, filme com muitas possibilidades, perde-se em algumas delas.
Em Uma Mulher Alta, duas mulheres buscam, em um hospital em Leningrado, no pós-guerra, recuperar o significado para suas vidas e seu futuro, após marcas, traumas e tragédias profundas deixadas pelo conflito do qual participaram. Um filme no feminino, mulheres no limite do suportavel, drama depressivo e asfixiante. Filme lento e arrastado. Em papeis sofridos, as jovens atrizes Viktoria Miroshnichenko e Vasilisa Perelygina.
Em O Paraíso Deve Ser Aqui, uma comédia de erros, um palestino percorre cidades do mundo onde não encontre vestígios de sua cultura e de suas raízes. Filme que busca a crítica às tradições árabes e ao preconceito contra elas, mundo afora, de Paris a New York. Metáforas, simetrias, caricaturas, sobre identidades e estranhamentos. No papel de protagonista, observador e silencioso, o próprio diretor, Elia Suleiman. Ao seu redor, misturam-se o banal e o absurdo, o real e o surreal, numa sucessão de esquetes, entre bons, ótimos e medianos.
Em Farol, dois homens, marinheiros zeladores, vivem uma relação de poder e dominação, numa ilha de um farol distante, como se situado fora do mundo, e se martirizam no isolamento, no alcoolismo, na loucura, na competição, na violência e na destruição um pelo outro. Tempestades e fúria no lado de fora e no de dentro. Alucinações que buscam o tom expressionista, câmera, por vezes, em excessos malabaristas. Próximas do over, atuações intensas, viscerais, de Willem Dafoe e Robert Pattinson.
Como traços de união entre as histórias narradas nos filmes, a busca de escolhas ou a falta delas, o tédio incrustrado nos personagens centrais, amarras a um passado indesejável a se livrar, mundos incômodos, de aprisionamento, sufocantes.
Nenhum dos filmes consegue se construir e se ampliar como narrativas brilhantes e consistentes, no seu todo. Suas qualidades méritos, em temática, proposta de roteiro, fotografia, atuações, e alguns bons momentos inspirados, sucumbe na monotonia de seus artifícios, repetitivos, previsíveis, exaustivos, monocromáticos.
Filmes diversos na origem, na linguagem, no estilo, na composição, na estética. Mas que se igualam na dificuldade de sair do mesmo tempo e espaço de seu enunciado, de desenvolver seus argumentos, dar-lhes densidade e curvas dramáticas, de conseguir soluções mais criativas nos seus percursos e desfechos.
Nos quatro filmes, a profunda sensação do não pertencimento de pessoas às suas realidades. Mas a alternância repetitiva, e por vezes cansativa, entre o tédio, a amargura, a imobilidade, o desencanto e a exasperação, fazem filmes evocativos que não evoluem satisfatoriamente, não avançam, não surpreendem, circulam demais no mesmo lugar, prometem um cinema melhor do que, na verdade, entregam.
Filmes que poderiam ser melhores do que são. Mas deixam o desafio de conferir, tentar perceber e descobrir novos sentidos, nexos, mistérios, enigmas e ilusões, novas camadas. O exercicio da critica é, acima de tudo, o de abrir, desvelar, instigar e afinar o olhar.

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