Transamazônica

"TRANSAMAZÔNICA, UMA ESTRADA PARA O PASSADO". 

Um Filme sobre Êxtase e Agonia de um País.


Migração, luta pela terra, trabalho escravo, desmatamento, violência no campo,  esperança, morte e desengano, alguns dos elementos fincados na Transamazônica, um misto de estrada, trilha, propaganda, mito, ilusão e desilusão.
Um dos projetos ícones do governo da ditadura militar, parte do seu ideário do "Brasil Grande", foi construída como apelo ao futuro e que resta hoje, em meio à poeira da história, como um retrato amargo e desolador de uma realidade que permanece no passado.
Viagem árida e corajosa feita pelos cineastas Jorge Bodanzky e Fabiano Maciel, que realizaram uma obra documental vigorosa, que arranca a máscara de uma farsa de um Estado autoritário e que mergulha no Brasil profundo, maltratado, agredido, vitimado, pela arrogância, pela mentira e por falsas promessas feitas por um regime de impostura.
Dividida em seis episódios, dois deles já exibidos pelo canal HBO Mundi, a nova série parte do início de tudo, no Porto de Cabedelo, na Paraíba, onde se inicia a Rodovia BR-230, começo da Transamazônica, e nos leva, nestes dois capítulos, num acidentado, intenso e quase fantasmagórico road movie, por asfalto e por terra esburacada e enlameada, por cidades e lugarejos da Paraíba, Ceará, Piauí, Maranhão e Tocantins até os confins do Pará. 
Episódio 1, "Tudo começa no Mar do Nordeste", e episódio 2, "Da Guerra de Guerrilha à Guerra pela Terra", neles viajamos por cerca de 2 horas. 
Por caminhões, pela estrada a fora que atravessa paisagens rurais e urbanas, cercadas de pobreza, restos de florestas e matas cerradas, e principalmente nas suas margens, habitadas por personagens com suas histórias e testemunhos, de martírios e desesperança, um painel com recortes precisos, em texto e imagem, de uma tragédia chamada Brasil.
Filme entrecortado por imagens de um vasto arquivo histórico de filmes e filmetes de propaganda institucional de época, e que opta por fotografar e contar a saga de migrantes nordestinos que embarcaram na propaganda de efeito e enganosa do governo Médice, que levaria "o homem sem terra do Nordeste para uma terra sem homens na Amazônia". Parte do milagre encenado, também do "Integrar para não entregar", e que acabou por levar o desespero e a esperança de milhares de nordestinos para um lugar nenhum.
Jorge Bodanzky realizou antes, em 1975, nos mesmos cenários, o emblemático filme "Iracema — Uma Transa Amazônica", mostrando miséria, corrupção e prostituição nos caminhos e beiras da mesma estrada. Um filme que corta a Amazônia e também  nossos sentimentos de humanidade e brasilidade.
Na apresentação do primeiro episódio da série, Bodanzki caminha por um velho pontilhão de madeira em plena estrada, e indica os passos que vão se seguir no documentário. Fala que voltou ao mesmo lugar para ouvir histórias dos verdadeiros donos daquela estrada, para saber como é a vida deles. 
Sem dúvida, Bodanzky anuncia um filme de pegada proustiana, uma espécie de "La Recherche du Temps Perdue" versão brasil-cabocla. Ali o encontro com o passado, o de uma estrada, o de um país e o dele mesmo, que por ali já tinha estado tempos atrás.
Os flagelos da Transamazônica, agora atravessada pelo olhar, ouvidos e câmeras de Bodanzky e Fabiano Maciel, não são poucos. Os encontros com os habitantes das regiões visitadas são muitas vezes curiosos, emocionantes, melancólicos, sempre ricos,  que revelam e nos contam sobre um Brasil real, marcante, impressionante, profundo, que junta tempos da memória e atualidade.
Um filme que segue viagem e mistura muitas falas, de posseiros, roceiros, migrantes, homens e mulheres, agricultores, caminhoneiros e a de Alberto Curi, narrador e voz oficial dos arquivos do Brasil ufanista da ditadura. Relatos testemunhais sobre sonhos, crenças, devoções, decepções, violências, que incluem histórias de barbárie vizinhas à Transamazônica, como a repressão à guerrilha do Araguaia e o massacre de Carajás. Com alguns personagens mais conhecidos, aqui lembrados e trazidos, como o ex-guerrilheiro José Genoíno e a freira norte-americana Irmã Dorothy, assassinada pelo crime fundiário.
"Transamazônica, Uma Estrada para o Passado", série documental antológica, bem-vinda à história do Brasil.
Um retrato em movimento pela estrada que atravessa presente e passado, crônica épica, amarga, melancólica, que liga o Brasil real e o imaginário, o êxtase e a agonia, a utopia e a distopia.

"Na história do Brasil, principalmente do Nordeste, muitas revoltas e lutas pela terra foram regadas com grandes doses de misticismo e devoção religiosa.
A Transamazônica foi um terreno fértil pra esse messianismo. Acho que porque todos, de uma forma ou de outra, estavam buscando alguma redenção".
(Jorge Bodanzky, narrador)

"Meu pai dizia o seguinte: É bom ser  migrante porque a gente vai no novo, a gente não tem o peso do passado, e o verdadeiro migrante só vai pra frente, nunca vai pra trás".
(Migrante nordestino na região).

"A grande maioria vinha do Maranhão, que vinha do Ceará, que vinha do Piauí, 70 por cento. (...) A época das profecias do Padre Cícero. A gente tava fugindo da seca, mas a gente tava fugindo também da cerca, da seca e da cerca, do latifúndio e tudo".
(Migrante francês/nordestino na região)

"Naquela época a gente veio pela aquela propaganda do governo, "Terra sem homens para homens sem terra". Na propaganda parecia que era um lugar da terra prometida".
(Colono migrante na região).





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