Lúcio Flavio, Passageiro da Agonia

 BABENCO, CINEMA, A FICÇÃO E O REAL


O Canal Brasil exibiu nesse mês de fevereiro mostra dos filmes de Hector Babenco. Um dos cineastas (argentino/brasileiro) autores de filmes brasileiros que mais expuseram as vísceras de nossa sociedade, dramas sobre nossa miséria social num cinema de intensa carga humanitária. 
Na mostra foi possível rever um de seus clássicos, dos seus filmes mais duros, sobre o mundo marginal e sombrio do crime, da corrupção policial, da violência, "Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia" (1976), baseado em original do jornalista, cronista e escritor José Louzeiro. 
Um filme que resiste e se atualiza, sua história contada na tela ainda segue forte em nossa vida real, 45 anos depois. Crime organizado, esquadrão da morte, eliminação, tortura, corrupção, propina, traição, "bandido e polícia, é tudo a mesma coisa" (frase famosa, atribuida ao policial Mariel Mariscot, que inspirou um dos personagens do filme), cenas e temas que pouco se alteraram em nosso dia a dia, nos limites entre a vida e a morte.
Filme com uma força e uma intensidade que quando termina na tela segue em nós, impregnado. Seu enredo e personagens ficam ainda por algum tempo, impactando, pulsando.
Elenco expressivo com interpretações admiráveis e viscerais de Reginaldo Farias, Ana Maria Magalhães, Milton Gonçalves, Paulo Cesar Pereio, Ivan Cândido, Grande Othello, Lady Francisco, Ivan de Almeida, um cinema de argumento, roteiro, narrativa, direção, atores e construção de personagens no nível do melhor já feito no Brasil.
Babenco realizou alguns outros filmes que também imprimiram vários lados de nossa tragédia social, como "O Rei da Noite" (1975), "Pixote, A Lei do Mais Fraco" (1980) e "Carandiru, o Filme" (2003). Foi indicado ao Oscar de melhor diretor por "O Beijo da Mulher Aranha" (1985). Nos emocionou com seu último filme, de viés autobiográfico, "Meu amigo Hindu" (2015), já tinha realizado antes um roteiro sobre sua vida pessoal, com "Coração Iluminado" (1998).
Sobre sua trajetória e sua obra, sua ex-companheira e atriz Bárbara Paz dirigiu o documentário "Babenco - Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou", que estará concorrendo ao Oscar 2021. A busca por uma síntese existencial-visual de uma vida que se misturou ao cinema.
Com "Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia", nos deu um cinema aplicado na veia, de densidade e voltagem, que trata e recorta um país do passado e do presente que insiste em permanecer com sua crueldade e perversão ainda ao redor. Seu protagonista, um bandido de estilo, especie de anti-herói à margem da ordem e da lei, explorado pela polícia do extermínio e que viveu no fio entre suas escolhas e seu destino. 
Do esquadrão da morte de ontem ao poder das milícias de hoje, bandido & polícia nas duas faces da moeda ou do medalhão de ouro, o que se repete, se sucede, se amplia.
Hector Babenco e José Loureiro, inventores de uma fabulação e representação de um mundo de agonia e desesperança, que podemos intitular como o cinema do real.

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