Oscar 2020

DIANTE DO OSCAR, FECHAR OU ABRIR OS OLHOS?


Vários artigos e comentários questionam, outros censuram, e alguns até desprezam, o ato de assistir e prestigiar a cerimônia do Oscar, da Academia de Hollywood.
Que se trata de uma festa da indústria norte-americana do cinema, do culto ao business e ao mercado de produção e distribuição de filmes, sobre isso não há dúvidas.
Mas celebrar o cinema é indispensável para os que vêm nele portas e janelas a atravessar e enxergar o mundo, as pequenas e grandes histórias, a vida dos outros, iguais, parecidos ou diferentes, através de estéticas e linguagens, realistas ou fantasiosas, que fazem refletir e pensar, além de encantar e sonhar. Fantasia e realidade estão sempre de mãos dadas nos diversos modos de narrar e contar do cinema. Sua diversidade, no olhar, no enquadrar, no recortar, no descrever, no mergulhar, são necessários para alimentar nosso imaginário, nossa sensibilidade, nossa visão humanitária e política.
A festa do Oscar, mesmo com todo seu glamour e sua alavanca de fazer dinheiro, tem momentos interessantes e permite dar conhecimento e dar passagem a bons e ótimos filmes que possam ser vistos, alguns deles podem mudar conceitos, preconceitos, verdades e mentiras. Parafraseando um título de Peter Davis, o diretor de um dos mais importantes documentários pacifistas, e vencedor do Oscar da categoria em 1974, atingir Hearts & Minds, Corações e Mentes.
Manter o espírito crítico sim, mas rejeitar e sonegar a informação de uma premiação que, mesmo acusada de ser fruto de lobbies, e de discriminar e excluir tendências, representações e nichos, não há aí nenhum sentido que se sustente. Oscar não é o circo narcísico do Big Brother Brasil, nem o jornalismo tendencioso e comprometido da Globonews, ou da Fox News.
O Oscar, transmitido no domingo 9.2, deu audiência e visibilidade ao mundo a um discurso firme, contundente, politizado, precioso, de um ator extraordinário e diferenciado como Joaquin Phoenix.
No Oscar, um filme transgressor, que trata do conflito de classe, crítico ao neoliberalismo excludente, e outsider à língua inglesa, pôde ser premiado e celebrado, como o coreano Parasita, com prêmios de melhor filme, filme internacional, diretor e roteiro, o que potencializa o cinema paralelo e alternativo do mundo ao redor de Hollywood.
No Oscar, outros filmes importantes também estiveram na disputa, como Coringa, de Todd Phillips com Joaquin Phoenix, personagem anti-herói, crítico, insensato, lúcido e louco, apontando as feridas de uma sociedade perversa, gananciosa, cruel e excludente. E Jojo Rabbit, de um neozelandêz, paródia e fábula antinazista de grande inspiração, humor, vigor, coragem e invenção, ao quebrar paradigmas no tratamento de seu tema, tão sério, tão grave.
No Oscar, foi possível a criação de uma corrente extraordinária de torcida e paixão por um filme como Democracia em Vertigem, de Petra Costa, que levou ao mundo a denúncia da tragédia política que se abateu e se abate sobre o Brasil. E que perdeu a disputa para o forte documentário Indústria Americana (American Factory), produção do casal Obama e da Netflix, que tem como temas a invasão chinesa em solo americano, a consciência de classe e a precariedade do subemprego nos USA.
No Oscar, pudemos ver no palco Jane Fonda surgir linda em vermelho, nos seus 82 anos, altiva e eterna musa, presa recentemente por ato de rebeldia, atriz sempre ao lado das principais causas humanitárias do planeta.
O Oscar, como tudo na vida, tem dois ou mais lados. Rejeitá-lo pura e simplesmente, como produto da sociedade do espetáculo made in USA para iludir, alienar e colonizar o mundo, é ignorar que o assunto é cinema, com sua força e sua magia, para quem se interessa por cinema, e pelas lições que o cinema ensina e inspira. A festa do Oscar não é mais só um programa de tv de piadas bobas e um desfile de moda da alta costura fashion no tapete vermelho de Hollywood.
O Oscar 2020 trouxe para sua festa um bom número de filmes que expressam o alto nível de corrosão social a que estamos submetidos, o mal estar da civilização, os tempos sombrios e perversos que perpassam o mundo atual

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