Filme "1917"

"1917", FÁBULA DE GUERRA, JORNADA DE HERÓIS


O filme de Sam Mendes "1917" (Reino Unido/EUA, 2019), narrativa de guerra, um dos destaques entre os candidatos e favoritos ao Oscar de Melhor Filme 2020, faz seu diretor afastar-se de seu lugar mais habitual de onde realizou obras densas sobre a moral, a culpa, a hipocrisia, a desilusão e a decadência da classe média pequeno burguesa norte-americana. Nessa linha, entre outros, seus filmes "Beleza Americana" (1999) e "Foi Apenas um Sonho" (2008).
Os dois últimos filmes do agente 007 também tiveram Mendes na direção, "007 - Operação Skyfall" (2012) e "007 contra Spectre" (2015), considerados os primeiros filmes da franquia dirigidos por uma assinatura artística, de prestígio.
A qualidade do épico de guerra "1917" está no seu ilusório plano sequência único de câmera, no seu estiloso modo de narrar, que é resultado de inúmeros efeitos de computação gráfica, muito mais na linha dos filmes de Steven Spielberg e menos dos mestres da câmera, como os nossos Dib Lutf ou Walter Carvalho, mais engenharia visual e tecnologia do que a combinação câmera na mão/fotografia.
Alguns diretores já nos brindaram com longos, preciosos e inesquecíveis planos sequência de câmera em seus filmes, de Orson Welles e Hitchcock a Andrei Tarkovski, Bela Tarr, Robert Altman, Alexandr Sokurov, Alfonso Cuarón, Fernando Trueba e Joe Wright, entre outros.
"1917" é um filme que tem como fio condutor a saga de dois jovens soldados britânicos durante a 1a. guerra mundial (atores George MacKay e Dean-Charles Chapman), atravessando campos minados, seus perigos e riscos, com o objetivo de cumprir a missão de levar uma carta com uma ordem militar a um comandante de outro e distante pelotão, que está prestes a entrar em combate com os alemães e sofrer fragorosa derrota. A corrida de obstáculos dos dois soldados em território inimigo, sua luta contra o tempo, suas peripécias acidentadas, sustos, medos, ataques, emboscadas, é filmada no truque de um único plano sequência, talvez dois, com uma única interrupção com um fade out, em quase 2 horas de duração, no velho, conhecido e bem realizado esquema de "tirar o fôlego" da plateia.
Vale atentar para as participações especiais e curtas, com poucos minutos na tela, dos atores Colin Firth e Benedict Cumberbatch, um pelo início e o outro pelo final do filme.
Produção que se destaca na construção de uma linguagem e voltagem quase virtual, com exuberância estética em alguns momentos, sua única e grande virtude. Filmado integralmente em cenários de exterior, uma façanha cinematográfica, e com um resultado que passa por muito software de efeitos em sua finalização. Na linha dos filmes em que a técnica se impõe ao seu argumento, tem no seu malabarismo visual, mesmo virtuoso, o que se torna a sua principal atração, o que é insuficiente para o bom cinema.
Entre belas cenas construídas de batalha, a mais expressiva, talvez, uma noturna nas ruínas de um vilarejo francês, sem luz, com o combate quase às trevas, iluminado somente por pontos de fogo e pelos raios momentâneos de sinalizadores. Espetáculo para os olhos.
Em termos de roteiro e dramaticidade, um filme banal, inexpressivo, previsível, fraco. Em nenhum momento há a questão ou o caráter pacifista, nem mesmo o contraponto entre pontos de vista ou conceitos, políticos ou filosóficos, sobre o flagelo da guerra. Ao contrário, um mero filme de ação, com a exacerbação do cumprimento patriótico da missão militar dada, a heroicização romântica mesmo com alguns momentos depressivos, mas com a ausência de viés crítico, de qualquer problematização ou reflexão humanitária.
Longe da qualidade de importantes e históricos clássicos de guerra, como "A Grande Ilusão" (Renoir, 1937), "A Um Passo da Eternidade" (Zinnemamn, 1953), "Glória Feita de Sangue" (Kubrick, 1957), "Os Deuses Vencidos" (Dmytryck, 1958), "Apocalipse Now" (Coppola, 1979), "Platoon" (Stone, 1987), "Terra e Liberdade" (Loach, 1995), "Além da Linha Vermelha" (Malick, 1998), "O Pianista" (Polanski, 2002), "Dunkirk" (Nolan, 2017). Extraordinários, técnicos e artísticos, todos com aproach pacifista, na frente ou no fundo.
"1917", jornada de heróis, intimismo, drama, sacrifício, desafio, conflito, emoção, entrega e esperança. Feito na medida para a Academia ter concedido o Oscar 2020 de melhor filme, prêmio que acabou não levando, "Parasita" foi imbatível, mesmo sendo produção estrangeira. Das dez estatuetas a que foi indicado, levou as de fotografia, efeitos visuais e mixagem de som, certamente pela linguagem técnica inventiva.
"1917", mais uma fábula de guerra entre o grandioso e o particular, sobre a adversidade e o homem, sua fragilidade e sua força. Heroísmo, espetacularização, percursos e limites entre derrota e vitória, vida e morte.


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