Sambalanço, a Bossa que Dança

SAMBALANÇO, FILME PARA VER, OUVIR E DANÇAR


Mais um festival de filmes documentários que pude acompanhar e observar, em parte, durante este ano. O É Tudo Verdade, o In-Edit Brasil, o DOC Lisboa, e o recente MIMO 2019.
Um filme documentário pode ser realizado de muitas formas e linguagens. O cinema direto, o cinema verdade, o cinema observativo, o cinema participativo, o cinema etnográfico, o documentário histórico, o filme de arquivo, a cinebiografia, o filme de conversa, entre outros. Classificação um pouco didática, mas que ajuda a diferenciar e perceber os conceitos, nuances e propostas por trás de um filme documentário.
No Festival MIMO 2019, mostra de filmes documentários sobre música, realizado no Cinema Odeon, no fim de semana de 29.11 a 1.12, muitas pérolas desfilaram por lá, com variadas temáticas e em diversos formatos, alguns  entre os citados acima. Destaco os 6 ótimos filmes que vi no festival: Na Rota do Vento ‐- O Cinema na Música de Sérgio Ricardo; Memórias do Grupo Opinião; Procuram-se Mulheres; Sambalanço ‐ A Bossa Que Danca; Poesia Azeviche; Caymmi ‐ Um Homem de Afetos. Alguns deles, já exibidos em outros festivais.
Esse artigo vai passar o foco, o espírito e o corpo, para um filme que teve sua estreia no MIMO: Sambalanço, a Bossa que Dança (2019), coprodução da TeleNews e da TV Zero, com roteiro e narração de Tárik de Souza e direção de Fabiano Maciel. Difícil classificar um documentário com o formato, o estilo e a ambição de Sambalanço, obra que resgata com vigor, bom gosto e criatividade, com pesquisa e profundidade, um gênero musical que marcou época no Rio de Janeiro, pelos anos 50 e 60.
O filme entra no mundo da música dançante, no tempo paralelo e no pós bossa nova, que invadiu e ocupou clubes, bares, hotéis, teatros, casas noturnas as mais diversas, dando lugar a festas que bailaram, sacudiram e balançaram a cidade. Lá estão a tocar, a cantar e nos encantar, os mestres do sambalanço, o pianista Djalma Ferreira com seu Conjunto Os Milionários do Ritmo, o pianista Waldir Calmon e sua famosa orquestra de baile, os organistas Ed Lincoln e Eumir Deodato e seus conjuntos, grupos integrados por músicos como Durval Ferreira, Paulinho Trompete, Wilson das Neves, e por cantores como Miltinho, Orlandivo, Silvio César e Pedrinho Rodrigues. Destaques também para Dóris Monteiro, Monsueto, Elza Soares, referências a Wilson Simonal e Jorge Ben, e a presença de João Roberto Kelly e de João Donato, entre outros nomes. Artistas que nos fizeram mais cariocas, nos tornaram mais amantes, amorosos, apaixonados, por um Rio de Janeiro, que foi atravessado por uma música, um ritmo e uma sonoridade que se constituíram, de certa forma e ao mesmo tempo, no estado de espírito e no corpo sensual de uma cidade.
O filme, com muita música, e entre fotos e cenas de filmes antigos, das ruas do Rio, das capas dos discos long plays, dos artistas em cena, dos movimentados salões de bailes, alegra, entusiasma e emociona, ao trazer, com sons e imagens de tempos passados, uma energia que ajudou a consolidar o jeito de ser festivo do carioca.
A direção competente de Fabiano Maciel, sua tenacidade em mergulhar durante muitos anos, desde 2003, em mais de 40 diferentes fontes de arquivo, nacionais e internacionais, nos traz de volta os personagens criadores com suas músicas (mais de 70 números musicais no filme), e sua presença em bailes, night clubs, shows dançantes, além de entrevistas de muitos deles, que contam histórias, memórias e lembranças de suas trajetórias artísticas. Imagens de bailes do Hotel Glória, de shows da boite Drink's, de outros clubes da zona sul e do subúrbio carioca estão, entre outras preciosidades, no filme.
Orlandivo se destaca como um protagonista, com seu charme, seu ritmo, sua voz, sua ginga e divisão, seu humor, chaves percutidas na mão, impagável em cena, seja atuando nos palcos ou nos depoimentos ao filme. Sons brilhantes e histórias saborosas desfilam também com Ed Lincoln, Durval Ferreira, Paulo Silvino, Silvio César, Doris Monteiro, Eumir Deodato, Wilson das Neves.
O esforço e o rigor de pesquisa do filme, e o cuidado na seleção e ordenação das sequências, na montagem e na construção da narrativa são exemplares, de um cinema que faz uma arqueologia da cultura musical de uma época.
Quanto ao seu formato clássico, com narração off, o texto de apoio escrito e narrado pelo jornalista Tárik de Souza, baseado em seu livro também intitulado Sambalanço, alterna informações precisas com períodos de textos longos, muito adjetivados e até muitas vezes redundantes com o que estamos vendo e apreciando. A qualidade inegável do texto do jornalista não se desloca do livro com a leveza necessária à linguagem do cinema. Mesmo trazendo informações relevantes, poderia ser mais econômico, menos pesado, menos lido, e sim diluído em frases curtas para entrar no ritmo e no balanço que pede o filme.
Nos créditos finais acompanhamos as datas em que muitos desses geniais artistas nos deixaram, alguns deles ainda vivos durante as cenas filmadas de Sambalanço.
Na última sequência, a divertida caminhada em uma calçada de Copacabana, por Orlandivo (que nos deixou recentemente, em 2017) junto com Ronaldo Brasil, festejados por frequentadores na porta de um botequim por onde passam, com a frase de efeito, por ele criada, "É tudo mentira!", traz o simbólico da alegria e da descontração como a marca de uma cidade.
Um filme necessário e oportuno, que nos devolve um Rio de Janeiro que se perdeu do tom e da alegria. Um filme que faz bem ao corpo e à alma do carioca e a de quem ama o Rio.
Um filme para se ver, ouvir, cantar e dancar. Sem moderação!

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