Dom Quixote

DOM QUIXOTE -- VER, IMAGINAR, DELIRAR


O Homem que Matou Dom Quixote (2018), é o filme mais recente de Terry Gilliam, lançado no Festival de Cannes de 2018, recentemente em cartaz nos cinemas do Brasil, em junho de 2019, com lançamento atual em aplicativo de streaming de vídeo, na internet.
Na tradição do cinema de Gilliam, a marca do humor cáustico e o absurdo, desde os filmes dos anos 1970 com a trupe inglesa Monty Python, a distopia de Brazil, o Filme, até personagens marcados pelo devaneio, como o Barão de Munchausen, os Irmãos Grimm, Dr. Parnassus. A ficção científica extravagante e distópica seguiu em outros, como Os 12 Macacos e O Teorema Zero.
Aqui, nesta sua versão da aventura de Dom Quixote, roteiro e realização inventivos, real e imaginário se fundem na história, desde a obra literária de Cervantes (publicação original de 1605), na releitura intertextual do filme, e na visão surreal e onírica do personagem, lírico, cômico, trágico, épico. Estéticamente apurado, numa pintura de fortes cores e luzes, um filme em círculos, não linear, com idas e voltas, curvas que abrem e fecham, na representação do mundo interior e ao redor do cavaleiro andante Quixote. Com suas bravatas e ideais libertários. Nada mais atual do que o combate aos moinhos de vento, vilões reais, falsos ou imaginados. Nas histórias contadas, Gilliam discute também sua relação com o próprio cinema -- há um filme dentro do filme, com a proposta de um diretor, nos dias de hoje, entre a loucura e a obsessão, em narrar a saga do cavaleiro da triste figura -- na metalinguagem a arte de narrar, refletir e inventar, com seus conflitos, e questões da sua própria indústria. Séculos XVII e XXI, tão longe, tão perto.
Jonathan Pryce, deslumbrante, no personagem clássico,  um simples e rude sapateiro de um vilarejo espanhol que se projeta e se constrói na lenda, entre a fantasia, o absurdo e a insanidade, terreno onde Gilliam costuma render bem em sua obra no cinema. Adam Driver, Stellan Skarsgard e Olga Kurylenko, com boas atuações, numa proposta de representação entre o cínico e o caricato, o fantasioso e o alucinatório. E a linda e jovem atriz portuguesa Joana Ribeiro, na sensual aldeã Angélica e na donzela sonhadora Dulcinéia. Cenários, locações, direção de arte, montagem, fotografia, de apreciar. Algumas cenas dispensáveis, podia ser menos longo. Sabe-se que foi uma produção conturbada, com várias tentativas de realização, e com interrupções durante o processo de filmagem. O que o filme não revela, no prazer de se assistir. No todo, mais um acerto de Gilliam, que segue fazendo um cinema no seu estilo, abrindo espaço para um exercício já habitual de seu público, entre o ver, o imaginar, o delirar. Dessa vez, nada a menos do que a imaginação de sermos todos Dom Quixote!

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