Bacurau


BACURAU, CINEMA, NORDESTE, BARBÁRIE.

Bacurau, prêmio do Júri em Cannes 2019, um triller policial no sertão, fantástico, alegórico, assustador. Filme dirigido por Kleber Mendonça Filho (O Som ao Redor - 2012 / Aquarius - 2016) e Juliano Dornelles. Com raízes no cinema novo rural e mítico de Glauber Rocha e Roberto Santos.
O sertão de Bacurau recupera o réquiem de A Hora e a Vez de Augusto Matraga, ressurgem a voz e a música de Geraldo Vandré. "Vim aqui só pra dizer. Ninguém há de me calar. Se alguém tem que morrer, que seja pra melhorar" (Roberto Santos - 1965). Faz a reencarnação, como sátira política, do universo do esquecimento, seca, misticismo, tensão e violência de O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (Glauber Rocha - 1969).
Tem Lia do Itamaracá, no poder da matriarca local. Tem história, memória, segredos, utopias, no museu que guarda mistérios, no repente do cantador, no silêncio atrás de portas e janelas. Tem novo Corisco/Lampião, a rebeldia de Lunga, guerreiro em estampa de samurai tech andrógino. Tem comunidade unida e solidária no fio do medo, da ferida e da revolta. Tem Sonia Braga, com seu poder e seu olhar, que seduz e silencia, desde Gabriela e até Domingas.
Sertão da dor, aridez, desesperança e crença. Também de união, cumplicidade, resistência e vingança, em tempo de drones espiões, celulares, suspense e matança em série, safari yankee teleguiado, de caça à carne humana. Metáfora do extermínio e da limpeza étnica, regional, social.
Nas cenas iniciais, caixões caídos e espalhados na estrada já indicam, como signo, que a morte vai habitar o lugarejo e o filme.
Bacurau é lugar do Nordeste condenado a não caber mais no mapa do país bolsonaro. Bacurau, vilarejo e alegoria, realismo social e criação ficcional, é também Canudos às avessas, que resiste ao desmanche e à barbárie.
Filme com um pé no cactus, outro no surreal.
Bebe da água e do sangue, na inspiração e no imaginário do cangaço e do western, de Glauber e Tarantino. E mistura, consubstancia e reinventa.

Comentários

  1. Adendo complementar à crítica acima, após ver o filme pela segunda e preciosa vez. Não poderia ter deixado de comentar a emocionante cena do cortejo de Carmelita ao som de "Bichos da Noite" canção de Sérgio Ricardo, onde aparece a referência ao pássaro Bacurau. E é a propria voz de Sérgio a carregar e embalar a procissão da matriarca que se despede.
    Duas outras cenas impossíveis de passar em branco. Uma delas, a capoeira dançada e cantada na noite, o rito da preparação para a luta pela liberdade, que virá. A outra, quando o cactus fere a mão do perverso sniper alemão. Ali a sinalização, com a marca de sangue, que o Nordeste e sua brava gente vencerão os invasores.
    Bacurau, o Brasil que resiste e responde!

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