ALVORADA

OCASO NO ALVORADA


"Alvorada" (2021), em exibição com reestreia no Canal Brasil, anteriormente na programação do Festival É Tudo Verdade 2021, de Anna Muylaert e Lô Politi, é um filme de cenários suntuosos, um filme de palácio, seus lugares a perder de vista, enormes espaços, ambientes, salas, salões, antesalas, corredores, conexões, cozinhas, jardins, a configuração dos imensos externos e internos.
Ali se movem e se reúnem os personagens da república golpeada em 2016. Filmado entre junho e setembro de 2016, mostra os extertores e o fim do mandato da Presidenta Dilma Roussef. 
A linha do filme é a do espírito observativo, no formato do Cinema Direto norte-americano (Direct Cinema / USA anos 60) sem intervenção, onde não há cenas produzidas para filmagem e sim o registro dos acontecimentos no seu vai e vém, pré-existentes ao filme, que lá estão, ocorrem, transcorrem, para uma câmera que, observa, capta e captura os momentos cruciais e definitivos vividos pela Presidenta. Alguns encontros mais reservados não tiveram a permissão para filmagens.
Dilma Roussef é a personagem principal, moradora e refém desse universo espacial, ali se movimenta de modo incessante, nos desvãos e na plenitude de um lugar que ainda emite sinais de poder, ali recebe políticos, assessores, ministros, comissões de movimentos da sociedade civil, dos movimentos populares, das classes políticas em seu apoio.
Dilma caminha, dá ordens, conversa, troca ideias, passa e repassa mensagens, chama atenção, cobra, exerce seu comando a seus comandados, entre momentos tensos e outros de grande afeto.
Seus depoimentos ao filme estão mais para desabafos, alinhamentos e marcação de posições, discursos afirmativos, declarações quanto à impostura e ilegalidade da qual vem sendo vítima, mostrando-se sempre firme, inabalável, convicta. A expressão " — Não me deprimo" é dita por ela algumas vezes.
" — Tem gente que gosta de dizer que não sou humana. Se eu não sou humana, sou o que?"
Acima de tudo, exibindo cultura política, literária e histórica, entre citações de Hanna Arendt, Guimarães Rosa, Machado de Assis, José Saramago.
Um filme testemunho do ocaso no poder de uma mulher guerreira, destemida que, desapegada, diz que sua determinação mais aumenta quando não tem mais nada a perder.
Um retrato de uma Dilma em seu palácio, cercada de vidraças, espelhos, tapeçarias, cortinas, em ambientes suntuosos, onde se alternam no filme imagens de corte dos imensos jardins verdes, movimento frenético de empregados, troca de guardas, animais circulantes e paisagens bucólicas. Ali, Dilma, personagem da história, nunca acuada, sempre exuberante.
"Alvorada" segue a sequencia de outros filmes onde Dilma se fez protagonista nos últimos anos, como "O Processo" (2018), "Torre das Donzelas" (2018), "Democracia em Vertigem" (2019).
"Alvorada" tem suas cenas finais com a saída de Dilma do Palácio, em meio à ovação popular e comoção de seus inúmeros apoiadores. 
Um filme réquiem de um período, espécie de crônica de uma morte política anunciada, em homenagem a uma personagem ímpar, a única mulher presidenta eleita do Brasil em nossa história, derrubada por um golpe impetrado por um sistema patriarcal, aliado ao capital internacional, cruel, corrupto, misógino.
"Alvorada" é um filme que trata do poder suas vicissitudes, fissuras, fraturas. E que nos ajuda a compreender melhor Dilma Roussef em sua grandeza e dignidade de mulher e de estadista.

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