40 ANOS SEM GLAUBER

GLAUBER, NO CÉU DO CINEMA.

E O MANIFESTO A EZTETYKA DA FOME


No domingo 22.8 há 40 anos nos deixava um brasileiro insuperável. Como cineasta, pensador, agitador cultural. Símbolo da resistência da arte política do Brasil.

Durante esta semana muito se publicou e comentou nas redes e em alguns jornais sobre Glauber Rocha, tb em canais de assinatura, pela data e pela importância dos seu filmes.

São obras que constituem o melhor cinema brasileiro, o cinema revolucionário em conteúdo, invenção, linguagem e estética.

"O Pátio" (1959), "Barravento" (1962), "Deus e o Diabo na Terra do Sol" (1964), "Maranhão 66" (1966), "Terra em Transe" (1967), "O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro" (1969), "O Leão de Sete Cabeças" (1970), "Cabezas Cortadas" (1970), "Cancer" (1972), "Claro" (1975), "Di Cavalcanti" (1977), "A Idade da Terra" (1980).

Um novo estilo de narrativa épica e barroca, a síntese do caldeirão Brasil permeia sua obra, misticismo, cangaço, violência, sincretismo, candomblé, alegoria, rebeldia, poesia, utopia.

Seus filmes reuniram atores e atrizes que a cena glauberiana imortalizou, Jardel Filho, Othon Bastos, Maurício do Valle, Glauce Rocha, Geraldo Del Rey, Yoná Magalhães, Hugo Carvana, José Lewgoy, Odete Lara, Antonio Pitanga, Luiza Maranhão, Lídio Silva, Paulo Autran, Paulo Gracindo, Mário Lago, Francisco Milani, Danuza Leão, Norma Bengell, Jofre Soares, Flavio Migliaccio, Jece Valadão, Ana Maria Magalhães, Tarcísio Meira, entre outros. Artistas de imagem e som vieram compor na sinfonia fílmica de Glauber, Dib Lutf, Affonso Beato, Mário Carneiro, Paulo Gil Soares, Eduardo Escorel, Luiz Carlos Barreto, Walter Lima Jr, Sérgio Ricardo, Marlos Nobre, Carlos Gomes, Heitor Villa-Lobos.

Ao lado do cineasta e seus filmes, Glauber formulou ideias, conceitos e pensamentos, estruturou a visão crítica, por vezes impiedosa, sobre o cinema brasileiro, construiu os alicerces de seu Cinema Novo. Seus livros, "Revisão Crítica do Cinema Brasieiro" (1963), "Revolução do Cinema Novo" (1981), "Cartas ao Mundo" (1997), "O Século do Cinema" (2006), são marcos na teoria crítica do cinema.

Críticos importantes de cinema escreveram sobre o pensamento de Glauber, casos de Ismail Xavier, José Calos Avellar e Jean Claude Bernardet. Outros, filmaram sobre sua vida e obra, como Silvio Tendler, Paula Gaitán e Erik Rocha.

Uma das suas teorias originais e mais conhecidas, que permeiam seu pensamento, é a teoria "A Eztetyka da Fome", o mais importante e influente manifesto do cinema brasileiro, espécie de estatuto do cinema de Glauber, sobre arte, cinema e política no terceiro mundo, elaborado em 1965. Que vale a pena conhecer.

"Manifesto Uma Estética da Fome 

A Eztetyka da Fome.

Por Glauber Rocha

(...)

Já passou o tempo em que o Cinema Novo precisava explicar-se para existir: o Cinema Novo necessita processar-se para que se explique, à medida que nossa realidade seja mais discernível à luz de pensamentos que não estejam debilitados ou delirantes pela fome. O Cinema Novo não pode desenvolver-se efetivamente enquanto permanecer marginal ao processo econômico e cultural do continente latino-americano: além do mais, porque o Cinema Novo é um fenômeno dos povos novos e não uma entidade privilegiada do Brasil: onde houver um cineasta disposto a filmar a verdade, e a enfrentar os padrões hipócritas e policialescos da censura intelectual, aí haverá um germe vivo do Cinema Novo. Onde houver um cineasta disposto a enfrentar o comercialismo, a exploração, a pornografia, o tecnicismo, aí haverá um germe do Cinema Novo. Onde houver um cineasta, de qualquer idade ou de qualquer procedência, pronto a pôr seu cinema e sua profissão a serviço das causas importantes de seu tempo, aí haverá um germe do Cinema Novo. A definição é esta e por esta definição o Cinema Novo se marginaliza da indústria porque o compromisso do Cinema Industrial é com a mentira e com a exploração. A integração econômica e industrial do Cinema Novo depende da liberdade da América Latina. Para esta liberdade, o Cinema Novo empenha-se, em nome de si próprio, de seus mais próximos e dispersos integrantes, dos mais burros aos mais talentosos, dos mais fracos aos mais fortes. É uma questão de moral que se refletirá nos filmes, no tempo de filmar um homem ou uma casa, no detalhe que observar, na moral que pregar: não é um filme mas um conjunto de filmes em evolução que dará, por fim, ao público a consciência de sua própria miséria.

Não temos por isto maiores pontos de contato com o cinema mundial, a não ser com suas origens técnicas e artísticas.

O Cinema Novo é um projeto que se realiza na política da fome, e sofre, por isto mesmo, todas as fraquezas consequentes de sua existência.

Glauber Rocha

Nova Iorque, Milão, Rio Janeiro – 1965"

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