Ettore Scola

 ETTORE SCOLA, CINEMA E ESPLENDOR


"Que estranho chamar-se Federico!". Com esse filme, lírico e poético, em homenagem a seu amigo Fellini e à convivência e amizade dos dois em sua juventude, Scola despediu-se do cinema, em 2013. Despediu-se da vida em 2016, aos 84 anos. O extraordinário cineasta-poeta Ettore Scola nasceu num 10 de maio.
Um dos mestres da comédia italiana, Scola nos deixou uma obra singular de um cinema de muita expressão, um dos melhores de todos os tempos. Aqui, recordo alguns de seus filmes magistrais, na galeria de um cinema eterno.
O clássico "Nós Que Nos Amavamos Tanto" (1974), com tintas de drama e comédia, tendo como fundo a convulsão social na Itália dos anos 30 e a fase pré do nazi-fascismo. No elenco, os geniais Vittorio Gassman e Nino Manfredi, com aparições especiais de Fellini, De Sica e Mastroianni. No enredo, as aventuras e desilusões amorosas e políticas de um grupo de amigos.
As heranças do neorrealismo, da sátira política e da comédia popular, são fortes no cinema de Scola. 
O olhar sempre irônico e impiedoso do cineasta tratou da miséria na periferia de Roma em seu "Feios, Sujos e Malvados" (1976), obra prima que recebeu o prêmio de Cannes de melhor diretor. Nino Manfredi faz o personagem de um sórdido chefe de familia que vive num barraco de favela, entre trapaças e traições. Aqui, um tema caro ao neorrealismo é tratado com irreverência e deboche, mantido o tom amargo ao narrar o grotesco e a decadência do submundo e da pobreza extrema.
"Um Dia Muito Especial" (1977) reúne os astros Marcello Mastroianni e Sophia Loren, em mais um encontro dos dois na tela. Dessa vez, um melodrama, o painel histórico da Roma de Mussolini, o fanatismo fascista nas ruas e o quadro particular de dois personagens em seus dramas pessoais, encerrados em seus apartamentos, numa espécie de solidão como exílio social. Um dos filmes de maior densidade dramática da obra do cineasta que mergulhou de olhos abertos na vida italiana, o humor, o drama, o fracasso, a paixão, amores e dores.
Em "Casanova e a Revolucão" (1982) Scola mostra o mítico mestre da sedução e do amor em seu final de vida, numa carruagem junto com outros personagens representativos da decadência de uma nobreza, todos na tentativa de fuga da revolução francesa. A figura de Casanova, já sem o seu brilho da juventude, na exemplar interpretação de Mastroianni, lhe mantém o charme, o encanto, a dignidade, e acima de tudo o espírito crítico, funcionando aqui como um comentarista irônico e ácido sobre o fim de uma era.
Um dos seu filmes mais aplaudidos é "O Baile" (1983), Urso de Prata no Festival de Berlin concedido a Scola. Um grupo de homens e mulheres dançam na pista de um salão de um teatro, numa viagem no tempo, marcada pelas mudanças de época nos cenários, nos figurinos e na música. Filme sem diálogos, sem palavra alguma, com a força e o movimento dos gestos, dos corpos que se movem, se enlaçam e se envolvem. A partir deles, um panorama da história da sociedade francesa em vários dos seus momentos cruciais.
Uma pungente homenagem ao cinema, Scola fez em "Splendor" (1989), um filme sobre seu amor ao cinema, entre a fantasia, o realismo, a melancolia. O cinema aqui visto em seus dois planos, o da sala física de exibição, já sem público, em declínio como atração popular, prestes a desaparecer numa pequena cidade do interior da Itália, e sua dimensão mais ampla, a da força da arte cinematográfica, do sonho e do imaginário. Marcello Mastroianni e Massimo Troisi em cena numa das mais belas e nostálgicas declarações de amor ao cinema.
"O Terraço" (1980), A Família" (1987), "A Viagem do Capitão Tornado" (1990), "O Jantar" (1998), "Concorrência Desleal" (2000), são mais alguns dos títulos de Ettore Scola, cineasta, poeta e cronista de um cinema de esplendor e humanidade, que fez a síntese das linguagens e da estética do cinema italiano.
Cinema de grandes autores diretores, Rossellini, Fellini, Antonioni, Visconti, De Sica, Petri, Monicelli, Leoni, Bertolucci, Tornatore, entre outros gênios. 
Ettore Scola foi um destes mestres, que ensinaram e encantaram com a arte e a magia do cinema. Seu cinema refletiu sobre os regimes totalitários, narrou a vida e o cotidiano de gente comum, seus dilemas éticos, suas esperanças, contradições e amarguras. O poder, a decadência, o sonho, tudo estava lá. Um cinema dialético e amoroso, de crítica, de afetos, de humor, consistência e virtuosismo.

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