Paterson
POESIA NA
RUA
Cinema e poesia andaram junto
algumas vezes em filmes este ano. Na retrospectiva dos melhores desta safra, é preciso destacar Paterson, lançado em
abril. Mais um biscoito fino
fabricado pelo diretor norte americano Jim
Jarmusch, de outras pérolas, como Estranhos
no Paraíso, Daunbailó, Uma Noite Sobre a Terra, Ghost Dog, Sobre Café e Cigarros, Flores
Partidas.
O anti-herói minimalista de Jarmusch surge nas telas como o mais incomum
dos homens comuns, combinando dois ofícios, o de motorista de ônibus e o de poeta.
Paterson é um múltiplo, nome da pequena
cidade de Nova Jersey, nome da linha de ônibus, nome do personagem e título do
filme.
No seu estilo, Jarmusch constrói Paterson com delicadeza e economia raras. Próprias do observador do cotidiano daqueles que estão sempre à margem, e que são por ele trazidos ao centro de suas narrativas.
No seu estilo, Jarmusch constrói Paterson com delicadeza e economia raras. Próprias do observador do cotidiano daqueles que estão sempre à margem, e que são por ele trazidos ao centro de suas narrativas.
A rotina de um motorista de ônibus e
sua paixão por escrever poemas é a história do filme. Todo dia ele faz tudo sempre igual... como na canção de Chico. No acordar ao lado da jovem esposa, no caminhar até a garagem da empresa, no diálogo com o mesmo colega de serviço, no
ônibus com o olhar nos passageiros pelo retrovisor, no retorno à casa e reencontro com a esposa, na saída à noite com o cachorro, na ida ao pub pro copo de cerveja. O fim de mais
um dia, que vai recomeçar, igual, na manhã seguinte. As cenas se repetem, sem glamour e pouca novidade, cada dia
introduzido por um letreiro que muda o calendário. No meio de tudo, a surpresa
está num caderno de poemas. Nele, Paterson (Adam
Driver) escreve seus versos, inspirados nos objetos mais simples à sua
volta, nas conversas ouvidas em cada viagem, na beleza da mulher Laura (Golshifteh Farahani). Os poemas (autoria
do poeta Ron Padgett) transitam pelo
filme, inseridos graficamente na tela e lidos pelo personagem, quando os escreve,
no ônibus antes de partir, ou no quartinho da casa, o seu canto predileto.
Paterson escapa do lugar comum
através da poesia, da imaginação, e na
leitura admirada do seu poeta preferido, William Carlos William, homenageado no
filme. Mais que tudo, no extraordinário do cotidiano. Na paisagem urbana espelhada
nos vidros do ônibus, em sugestivos travellings
no deslocamento pelas ruas da cidade. Nos idênticos gêmeos, bizarros e
diversos, com que se depara ao longo de suas viagens. No preto e branco, obsessão
de sua amada Laura, impresso em cortinas, móveis, vestidos e cupcakes, oposição de cores, temperamentos
e mundos em que vivem, ele mergulhado em sua rotina, ela em invenções e
aspirações diárias na busca do novo. Nas caixas de fósforos de marca Ohio, que inspiram seus poemas de amor.
Aqui está o mais belo
palito do mundo
Um delicado palito de
quatro centímetros
Com uma cabeça
granulada, escura e púrpura
Tão sóbrio e furioso e
determinadamente pronto
A irromper em chamas.
Acendendo, talvez, o
cigarro da mulher que você ama
Pela primeira vez
E nada mais foi o
mesmo depois disso.
Paterson, personagem que habita um tempo poético
em que o banal e o simples ganham eloquência e nobreza. Os dias de sua semana
são como uma sucessão de versos na estrutura poética da repetição. Paterson, filme e poema que se confundem
um no outro. Onde a poesia procura o sentido da vida, se move e circula na rua.
Excelente texto...fiquei curiosa quanto ao filme...nem sempre tenho a oportunidade de ver todos os filmes que quero... vou tentar este!
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