No Intenso Agora

NO INTENSO AGORA

Estreou novo filme de João Moreira Salles, No Intenso Agora. Dez anos após o lançamento do seu filme anterior, Santiago. Segue a busca do cineasta por recuperar memórias de sua família e da história, cruzando cinema, afeto e política, desta vez num mergulho de grande fôlego aos anos 1960, aliando imagens amadoras filmadas por sua mãe em viagem a China em 1966, nos anos da revolução cultural de Mao, visitando também arquivos sobre o levante estudantil de Paris em 1968, e a primavera de Praga, invadida no mesmo ano pelos tanques soviéticos.
Na montagem de um painel sobre o intenso final dos 1960 no mundo, alternam-se filmes amadores de militantes e observadores, cine jornais da época, filmes oficiais e registros variados. Um filme de arquivos e sentimentos. 
Há um filme dentro de outro, e dentro de outro, e de outro mais, sucessivamente. É um documentário de muitas camadas, que cruza o público e o privado, o histórico objetivo e o testemunhal subjetivo. Seu valor maior é ser um filme sobre o cinema e sobre o poder da imagem, que mostra a sua força na reconstrução das histórias que conta, e na capacidade do cinema em montar fragmentos pra construir um novo sentido narrativo.
Impressiona a opção do João em fazer um filme mais sobre o cinema de arquivo produzido do que sobre a história vivida. É mais sobre a narração construída do que sobre o narrado. É mais sobre os olhares que viram, as condições em que viram, do que sobre o que foi visto. A voz over do diretor vai destacando e desconstruindo de forma estruturante o ponto de vista das imagens, o que os planos da câmera privilegiam, seus recortes, o que revelam e o que ocultam, o que escolhem e o que não escolhem. Busca interpretar as imagens que filmaram a história, muito mais do que a história em si. É um filme que reflete sobre o próprio ato de filmar e dos que filmaram. Documentário raro quanto ao seu modo de narrar.
Filme pra ver e rever, investigar e estudar o que vai além de seu conteúdo de face. João teoriza sobre o cinema em seus próprios filmes. Tanto nos anteriores Entre Atos, Nelson Freire, e Santiago, e agora de forma mais explícita, ele nos diz o tempo todo que isto é um filme, que é de um jeito mas poderia ser de outro. É o chamado cinema reflexivo, que reflete sobre sua própria linguagem e proposta. Mais do que o passado das imagens, somos levados a vê-las no presente em que foram colhidas. Em seu intenso agora.

Comentários

  1. Parabéns pelo blog.
    Seus- sempre intensos- artigos de cinema são bem vindos.
    Agora poderão cruzar fronteiras.
    Bjs,
    Cláudia

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  2. Não poderia existir melhor profissional e melhor conhecedor para nos guiar pelo mundo do cinema. Já estou encantada com o blog.
    Maria

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