Santiago, Itália

CINEMA DOCUMENTÁRIO. A NARRAÇÃO DO TEMPO HISTÓRICO.


11 de Setembro de 1973. Golpe militar no Chile, fim do governo socialista de Salvador Allende, eleito democraticamente, culminando com sua morte. Início da sangrenta e violenta ditadura do general Augusto Pinochet, que durou 17 anos, com 40.000 vítimas, entre presos, torturados e assassinados.
Filmes importantes trataram do tema, entre eles a trilogia documental "A Batalha do Chile" (Patrício Guzmán / 1975/77/79), "Missing — Desaparecido" (Costa Gavras / 1982), "A Casa dos Espíritos" (Bille August / 1993), "No" (Pablo Larraín / 2012), além de alguns outros. Patrício Gusmán voltou ao tema com os belíssimos documentários "Nostalgia da Luz" (2010) e "O Botão de Pérola" (2015).
O mais recente filme, para lembrar a data do terrível e trágico pesadelo que se abateu sobre o Chile, é "Santiago, Itália", documentário do diretor italiano Nanni Moretti, produção de 2018. Uma investigação política e afetiva sobre o papel da embaixada italiana em Santiago do Chile, no acolhimento, proteção e resgate de cerca de 250 perseguidos — homens, mulheres, famílias — do sangrento golpe militar, e que tiveram salvas suas vidas. Muitos chilenos puderam reconstruir suas vidas na Itália, permanecendo lá até os dias atuais.
A obra de Moretti no cinema é expressiva, com filmes brilhantes como "Caro Diário" (1993), "Aprile" (1998), "O Quarto do Filho" (2001), "O Crocodilo" (2006), "Habemos Papam" (2011), "Mia Madre" (2015).
"Santiago, Itália" (2018), é uma obra madura, que mantém a característica auto-referente do cineasta, marca de seu cinema, que desta vez consegue aliar sua forte persona com a pesquisa e o relato histórico, e trazendo para o filme também uma importante reflexão conceitual sobre a matéria do documentário, a questão da subjetividade do documentarista diante da chamada objetividade do real.
Moretti dá protagonismo no filme à embaixada italiana de Santiago, e seu papel humanitário que desempenhou diante do golpe militar. Edita importantes imagens de arquivo histórico, muitas delas colhidas pelos próprios asilados na embaixada, em meio ao drama do medo, incertezas e expectativas, de homens, mulheres, crianças, famílias.
Entre os muitos depoimentos de chilenos,  tanto no Chile como na Itália, que contam sobre o episódio, há uma cena exemplar no filme. Durante uma entrevista do diretor com um militar chileno, este o interpela, raivoso, protestando sobre sua possível parcialidade na condução da entrevista. 
De pronto, Moretti se move e se posiciona ao lado do militar e, diante da câmera, afirma: — "Não sou imparcial, que isso fique bem claro!"
Ali, nessa cena e nessa declaração, se desvenda e se desconstrói a mitologia sobre a imparcialidade de um filme documentário. Ali, o documentarista estabelece e firma o conceito e a única verdade de seu trabalho, a da lealdade e do compromisso com seu ponto de vista!
Importante filme, baseado em memórias de seus personagens, numa história original que conta, revela, atualiza.
Bravo, Nanni Moretti!

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