Bye Bye Brasil

BYE BYE  BRASIL, CINEMA MÍTICO DA DESPEDIDA


Ótimo rever "Bye Bye Brasil", sua Caravana Rolidei, filme de 1980, na programação do Festival de Gramado, Setembro / 2020, pelo Canal Brasil. O melhor filme de Cacá Diegues / produção de LC Barreto. 
A crônica amarga e debochada sobre a decadência do conceito e da ética do Brasil Grande, oportunista, arrogante, cínico. E ali também os contrastes e conflitos de uma primitiva cultura circense, ardilosa, mambembe e itinerante, um tempo e uma linguagem em extinção, e a falsa promessa do mito da modernização, do paraíso via Embratel. 
José Wilker e Betty Faria — Lord Cigano e Salomé, em um de seus melhores momentos.
"Neva na França, na Inglaterra, nos EUA, em todo o mundo civilizado. E agora neva no Sertão".
Um filme sobre chegadas e despedidas, sobre o desmonte da ilusão, na arte e na política.
Ainda melhor, a canção homônima de Chico e Menescal, em apoteose no encerramento do filme.

FELLINIANO

Estimulado pelo ex-aluno e amigo Vinicius Manne, que identifica, em sinalização curta, pontual e precisa, "um quê felliniano" no filme, fiz a viagem até "A Estrada da Vida" (1954), de Federico Fellini.
Zampano e Gelsomina, personagens fellinianos de Anthony Quinn e Giulieta Masina em "La Strada" são, numa visão da performance circense entre o alegórico e o onírico, precursores, na linha do tempo, da Caravana Rolidei de Lord Cigano e Salomé, de "Bye Bye Brasil". 
"A Viagem do Capitão Tornado" (1990), de Ettore Scola, também tem essa pegada visionária, felliniana, impressa no road movie-circence-cênico-mambembe, de todas as épocas, antiga, medieval, moderna, contemporânea.
Há outros, cinema em tempos à fora, entre eles " Os Palhaços" / "I Clowns" (1970), filme documentário do próprio Fellini, uma matriz que também abraça forte todos nós nessa mesma direção, que mistura vida real na lona e fora dela, os planos da construção artística, da memória, do lúdico, do onírico. Sonho x realidade, inocência x malícia, brutalidade x suavidade, uma química imbatível.

Muitos outros filmes fizeram seu tributo ao tema, entre o lírico, o dramático e o épico, "O Circo" (Charlie Chaplin / 1928), "O Maior Espetáculo da Terra" (Cecil B. De Mille / 1952), "Noites de Circo" (Ingmar Bergman / 1953), "Trapézio" (Carol Reed / 1956), "O Mundo do Circo" (Henry Hathaway / 1964), "Asas do Desejo" (Wim Wenders / 1987), "Chocolate" (Roschdy Zem / 2016) e os brasileiros "O Palhaço" (Selton Melo / 2011) e "O Grande Circo Místico (Cacá Diegues / 2018), alguns deles.
A estrada, percorrida entre pequenas cidades do interior pelos artistas populares e suas caravanas e bagagens de sonho e fantasia, é o lugar mítico da travessia.

Ao som de "Aquarela do Brasil", cantada em inglês por Sinatra, dá-se o início de uma nova partida de Lord Cigano e Salomé, as cenas derradeiras do filme após as despedidas ao sanfoneiro Ciço (Fábio Jr.) e sua mulher Dasdô (Zaira Zambelli), ex-integrantes da Caravana, reencontrados numa casa de forró em Brasília, sua nova vida e morada.
O plano final de "Bye Bye Brasil", sob a forte emoção da canção título, mostra a estrada mítica do "Brasil Grande" da ditadura militar brasileira, a ilusória transamazônica, sobre ela avança célere o novo caminhão Rolidey (já com y) prateado e modernoso em formato new age, em direção ao entre-lugar da utopia e da distopia.

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