Woody Allen, de volta ao cinema e à chuva


WOODY ALLEN, DE VOLTA AO CINEMA E À CHUVA


Depois de uma tempestade de mau humor, acusações, cinismos, críticas oportunistas, sabotagens, patrulhas morais, rompimento com a Cia. Amazon Studios e outros desgastes, um dos cineasta mais amados por nós está de novo livre nas telas. A nos presentear com mais uma de suas fábulas sobre desventuras amorosas e excêntricas, onde uma sedutora New York, de encantos e surpresas, dá protagonismo à mais uma história de encontros e desencontros.
Um Dia de Chuva em New York é mais uma comédia de erros, diálogos e monólogos ferinos, clichês românticos, com atores na representação nervosa e sempre num tom acima, quase over. Aqui, Elle Fanning e Timothée Chalamet como o jovem casal no centro do romance e do conflito, rodeados por Jude Law, Selena Gomez, Rebecca Hall e Liev Schreiber, entre outros. Narrativa acidentada com turning points seguidos, personagens auto referentes ao diretor ‐- no enredo do filme, alguns oriundos do próprio mundo do cinema, servindo à desconstrução de mitos e celebridades.
Elle Fanning, em sua divertida Ashleig, jovem universitária de curso de jornalismo, compõe mais uma das personagens femininas exuberantes de Allen, com suas questões, paixões, incertezas e dúvidas, a conduzir nossos olhos em absoluta empatia. Hilária nos seus desejos, descobertas e fantasias, e nos ataques de soluços sempre que se encontra em ansiedade sexual.
Como outras jovens, de outros de seus filmes, Ashleig circula entre anseios e impulsos de atração por personagens de homens mais velhos, o que já faz parte do imaginário cinematográfico do autor, desde Manhattan (1969), passando por Poderosa Afrodite (1995), Tudo Pode Dar Certo (2009) e nos mais recentes Magia ao Luar (2014), O Homem Irracional (2015) e Café Society (2016).
Alguns críticos, que demonstram desprezar seu cinema, estão sempre a associar, de forma banal e bizonha, vida real do diretor com a ficção de suas tramas e seus personagens, na tentativa de imputar que seus filmes repetem e confirmam comportamentos de assédio e abuso vividos por ele fora da tela, o que são meras acusações. Dessa bobagem recorrente, Allen sobrevive com seu cinema que enaltece o amor e a fantasia, entre quaisquer gerações.
E é nesse trilho de envolvimentos com homens maduros, vivendo peripécias por New York, que a jovem Ashleig se perde de seu quase depressivo apaixonado namorado Gatsby, fascinado por jazz, por filmes antigos e por poker, vivido por Chalamet, que incorpora o herói alleniano tipico.
"‐- O tempo voa. Mas em classe econômica!
‐‐ O que quer dizer com isso? -- Que não é muito confortável".
Ainda de Gatsby, defendendo a monogamia:
" ‐- A vida só se vive uma vez, e só vale a pena se for com a pessoa certa".
O jovem casal vive seus desencontros em Manhattan, o inesperado os leva, a cada um, a diferente situações e percursos. As dificuldades em se acharem um ao outro, leva à emblemática constatação por parte de Gatsby: " ‐- É uma cidade com seus desígnios próprios."
Com sua verve e seu estilo de sempre, verborrágico, nostálgico, romântico, over, mais um Woody Allen, para os que gostam e os que não gostam. E não podendo faltar, a sempre generosa e saborosa trilha musical, desta feita com standards do american song book, de Errol Garner a Irving Berlin.
Há os que dizem que Woody Allen faz sempre o mesmo filme. De certa forma, um diretor que não busca ser inédito em sua obra, com um cinema que se repete com histórias que se parecem, e continua a seduzir, seja nas gags, na farsa, na paisagem urbana, na acidez, no afeto, na nostalgia, na poesia. A luz quente e a fotografia do mago Vittorio Storaro são mais uma vez essenciais no clima ansioso proposto pelo filme.
Mesmo não estando entre as jóias do cineasta, a assinatura genial de Allen está lá, com seu tradicional humor cáustico, sua melancolia, suas referências e projeções, sua pintura e seu modo de narrar típico. E aqui, de novo, no entorno do universo romanesco, a chuva, como sempre encantada no cinema de Allen, como objeto do desejo. Como já foi em Meia Noite em Paris, e agora em Um Dia de Chuva em New York. Na ponte sobre o Sena em Paris ou sob a torre do relógio no Central Park, o amor surpreende e se renova no cinema inquieto de Woody Allen.

Comentários

Postagens mais visitadas