Poesia Sem Fim

CINEMA DE POESIA

Fui, nos últimos dias, atrás daquelas listas dos melhores filmes do ano, organizadas por críticos especializados, nos diversos sites e revistas, daqui e de fora, procurando os que mais se repetem entre os escolhidos. Nas listas, vários filmes, que vi e que não vi, que gostei e que não gostei, que merecem destaque e que não merecem tanto. Mas, se queria achar alguma unanimidade, foi na não escolha que encontrei. Claro que nestas listas não cabem todos os filmes do ano mas uma ausência chama atenção, clama e grita. Refiro-me à uma obra prima do cinema de arte e poesia, dirigida pelo artista pop, poeta e escritor chileno Alejandro Jodorowsky, Poesia Sem Fim, lançado no Brasil em julho deste ano, com estreia mundial no Festival de Cannes em 2016.
Ambientado em Santiago nos anos 1940, retrata a vida do artista enquanto jovem, na descoberta da poesia, da rebeldia, da política, da sexualidade, da boemia, numa espécie de autobiografia em tons ficcionais e alegóricos. Filme inspirado numa visão surrealista do mundo, que o poeta abraçou após sua ida para a França, na influência de André Breton e Jean Cocteau. Hoje nos seus 87 anos, Jodorowsky é representado no filme pelo seu filho Adan, em atuação magistral, hilária e comovente, interpretando um artista libertário nos seus 20 anos, que se expressa no vigor de todas as artes, literatura, música, dança, circo, teatro, pintura. Enfrentando o mundo ao redor, suas regras e seus fantasmas, com tapas na cara do nazismo, da vida burguesa, da opressão familiar, da moral sexual, do amor conservador, transformando tudo e muito mais em alegorias e ilusões, num fake quase operístico. Um filme esteticamente primoroso, que parece estar sendo feito na hora, em frente à câmera, com mudança e transição de personagens, cenários, adereços e fantoches, como se improvisados, que equilibra e desequilibra de modo crítico, lírico e cômico. Parece não faltar nada, na celebração de excessos. O próprio autor diretor aparece em cena umas poucas vezes, de modo semi documental, sempre dirigindo-se à câmera, comentando sua própria história e trajetória. Poesia Sem Fim, um dos melhores e surpreendentes filmes do ano. De pouca divulgação e fora das listas, outsider, em sua natureza criativa. Cinema de linguagem inesperada, drama, comédia, fantasia, autobiografia de afetos e sonhos, que entra na galáxia de Fellini, juntando poesia, paixão, heresia, transgressão, encantamento e deslumbramento.

Comentários

  1. Comentário enviado pelo compositor Renato Rocha.

    "Busque o difícil" é o conselho do Paul Valery, que o Jod conhece. E o Jod é um cara que segue o conselho à risca. Sua ópera surreal é fora da curva e absolutamente fora dos padrões, o que já bastaria. Mas tem muito mais, tanto em termos de texto, como de figurino, adereços etc. Para mim, que sou do subúrbio e sei o quanto isso significou em termos de cultura, informação e atraso de gosto, o filme é, acima de tudo, a epopeia da libertação do autor dos liames umbilicais da família e do grande subúrbio sul-americano.
    Acho também espantoso que o filme tenha conseguido entrar no circuito comercial de exibição.
    Renato Rocha.

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