Human Flow

CINEMA E O COLAPSO HUMANITÁRIO

Por que fazer documentário? Pra que serve o documentário? O que é o cinema documentário?
Estas e outras perguntas são feitas desde o inicio do século XX, data de origem do gênero, quando tem início o chamado cinema do real. Tem começo oficial na antropologia visual do norte americano Robert Flaherty, que filmou a saga dos esquimós no norte do Canadá e criou o primeiro personagem dramático do documentário, Nanook of the North, de 1922. O espírito antropológico funda o documentário, na busca de conhecer o outro, exercitado por Flaherty e mais tarde, nos anos 1960, pelo cinema verité do francês Jean Rouch, com filmes realizados na África e na França.
A missão do cinema em mostrar, investigar, compreender e explicar a vida e o mundo prosseguiu de lá pra cá e segue nos dias atuais. Registrar, interpretar e questionar têm sido marcas impressas nas telas por documentaristas de várias países, narrando histórias do homem, sua cultura, lutas, conquistas e derrotas, que afloram corações e mentes.
O cinema documentário que busca refletir sobre seu tempo nos trouxe, neste final de 2017, uma obra vigorosa, painel de uma crise devastadora, a da agonia dos povos refugiados. 
Human Flow provoca e alerta, com o olhar crítico, a tragédia que ocorre ao nosso redor. Dirigido pelo chinês Ai Weiwel, expõe o drama do fluxo dos milhões de pessoas fugindo das guerras, do clima inóspito, da fome, da miséria, da morte, itens do receituário perverso prescrito pelo capitalismo globalizante. Com o subtítulo – Não existe lar se não há para onde ir, percorre 23 países (França, Alemanha, Turquia, Grécia, México, Afganistão, Iraque, Bangladesh, Quênia, entre outros), 4 continentes, 40 campos de refugiados. Identidade, dignidade, sobrevivência, pertencimento ao mundo, são questões tratadas pelo filme de Weiwel, muitas vezes com imagens belas e poéticas, até incômodas, capturadas por câmeras ágeis e até por drones, nas estradas, nas fronteiras, nas travessias das balsas, nos desertos, nos acampamentos. Jornadas de dor, desespero e pouca esperança, nos rostos, nas falas, nos silêncios. O filme não constrói personagens no particular, não foca no micro de cada história, opta pela narrativa ampla, no tom quase épico, abordando o problema no caráter coletivo e abrangente do horror vivido pelos povos em fuga e sem volta. Em meio a estatísticas e apelos por tolerância, a frase do escritor árabe Mahmoud Darwish, traduz na tela o sentimento definidor do filme, “você me matou, mas esqueci de morrer”. Human Flow, retrato crítico e atual de um novo e trágico apocalipse, acerta no compromisso ético e nobre do filme documentário, o de desvendar e interpretar a realidade com olhar próprio, inquieto, emocionado, muitas vezes generoso, necessariamente indignado.  

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