Mário Carneiro

 A LUZ DE MÁRIO CARNEIRO 

Exibido em 17.12 no Canal Brasil, o filme "A Luz de Mário Carneiro" (2020), de Betse de Paula, pelo Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Filme na linha convencional dos documentários de antologia do cinema brasileiro, a partir do olhar e da obra de um de seus autores de grande prestígio. 

O que diferencia e dá singularidade a esse filme é exatamente por tratar dos filmes fotografados por Mário, com a exibição de várias de suas sequências, comentadas por ele em uma entrevista filmada pela diretora há alguns anos atrás. O documentário tem momentos bem ricos, alguns geniais, com destaque para conceitos artísticos expostos por Mário e para trechos de algumas obras essenciais do nosso cinema, realizados nos anos 1960, como "Arraial do Cabo", "Couro de Gato", "Garrincha, Alegria do Povo", "O Padre e a Moça", "Todas as Mulheres do Mundo", "Edu Coração de Ouro", todos fotografados em preto e branco, onde Mário experimentou linguagem de câmera e elaboração de fotografia com nível de absoluta excelência. Trechos dessas obras, mostrados na primeira metade do filme, são o seu biscoito mais fino, o nosso maior prazer de rever, que nos mostram toda a inspiração e influência de Mário trazidas da pintura, sua arte preferencial, e como a traduzia na sua arte de fazer cinema. 

Em uma de suas falas, diz que o mais importante para ele no cinema é o enquadramento de câmera, os seus planos, criativos e inventivos. Próximo a esse depoimento, é exibido um plano sequência primoroso de "O Padre e a Moça" (Joaquim Pedro, 1966), com a cena da aproximação do personagem de Paulo José, que a câmera traz em plano médio, fechando, em movimento, até o contato em plano fechado do seu rosto encontrando o da personagem de Helena Ignez, onde se dá o primeiro toque amoroso, num misto de ternura e erotismo, dos mais expressivos do nosso cinema. 

A alternância de conceitos técnicos e estéticos nos depoimentos de Mário vai construindo a linha do tempo do filme, com a ilustração de cenas de sua obra, como fotógrafo ou montador, tão diversa. Cerca de 30 filmes são trazidos ao documentário, incluindo cenas de filmes caseiros, com o destaque para alguns que têm para ele significados mais especiais. Além dos clássicos já citados, outros filmes como "Porto das Caixas", "Capitu", "O Homem que Comprou o Mundo", "Sagarana, o Duelo", "A Casa Assassinada", "O Mágico e o Delegado", "Chico Rei", "500 Almas", "Gordos e Magros" são trazidos com a revelação de aspectos de suas filmagens. As relações de amizade e trabalho com os diretores Paulo César Saraceni, Joaquim Pedro de Andrade, Domingos de Oliveira, o fotógrafo Affonso Beato e o fotógrafo argentino Ricardo Aronovich, entre outros, são temas de histórias contadas por Mário, vividas no cinema e fora dele. 

Mas o fundo maior da trajetória de Mário Carneiro é, sem dúvida, seu amor, paixão e predileção pelas artes plásticas, da pintura à gravura. Era em um atelier, em meio a quadros, tintas e outros artefatos, que passava a maior parte de seu tempo. Era a sua matéria-prima de inspiração que buscava transferir e imprimir no cinema com sua luz e seus enquadramentos de câmera. Sobre livros, num momento do filme diz que lia os sobre pintura, nunca os sobre cinema. O tempo histórica de uma arte e o da outra eram definidores para ele de onde devia buscar ensinamentos. 

O episódio de Glauber Rocha o chamando, às 8h da manhã, na Regina Filmes, onde montava um filme seu, para irem às pressas filmar o velório do pintor Di Cavalcanti, e as histórias e confusões daí decorrentes, constitui um dos trechos finais do documentário. E podemos ver cenas do filme "Di", filmadas pelas lentes de Mário, dirigidas e narradas nervosamente por um Glauber entre o épico e o transgressor. 

"A Luz de Mário Carneiro" nos mostra seu cinema iluminado com classe, cultura artística, intenção estética e talento, que tentava não repetir padrões, buscando originalidade e invenção.

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