Benjamim Zambraia e o Autopanóptico

 A VIDA COMO UM FILME 


"Benjamim Zambraia e o Autopanóptico" (2020), de Felipe Cataldo, constou da Mostra Paralela do Festival de Cinema de Brasília, que teve a exibição online de 33 filmes, organizada pelo produtor Cavi Borges. 

Filmes com a marca de um cinema de invenção, entre históricos já exibidos na trajetória do Festival, obras de diretores como Maurice Capovilla, Sérgio Ricardo, Rogério Sganzerla, Fernando Coni Campos, Luiz Rosemberg, Noilton Nunes e Sérgio Peo, incluindo alguns que foram proibidos, e filmes novos, de diretores de nova geração, como Sinai Sganzerla, Marcelo Ikeda e Felipe Cataldo.

O filme de Felipe Cataldo, um dos inéditos da Mostra, leva a inventividade às últimas consequências. Seu personagem principal é uma câmera, invasora e invasiva, que flutua, passeia e desnorteia por sobre a tela, como um antagonista do próprio filme e de seu personagem título, e que ameaça Zambraia a transformar sua vida em filme. Esse, um dos motes, uma câmera à deriva, autônoma e livre, sem comando e direção, que transtorna Zambraia com "imagens ricocheteando na base do seu crânio". As imagens ricocheteiam no próprio filme, delas ele se constrói e desconstrói, mistura referências a valer, com narração off pontuada de trechos do livro Benjamim, de Chico Buarque. 

É um filme que abre portas para a imaginação, para uma intertextualidade com outros filmes, a partir da informação e da imaginação de cada um. No meu caso, por vezes me lembrei dos filmes de Wim Wenders, "No Decurso do Tempo" e "O Céu de Lisboa", ambos sobre o cinema, com tramas inventivas, transgressoras e surpreendentes. Além desses, também outros, do cinema marginal brasileiro, não é o caso de enfileirar citações.

O filme tem no elenco os veteranos Helena Ignez, Octávio III e Carlo Mossy, junto a jovens atores e atrizes, quase todos, quase sempre, em representaçâo entre o displicente e o over, incluindo-se nele o próprio diretor, como Zambraia. O seu Benjamim é um jovem que alterna a domesticidade com seus pais, de muito amor e muito esporro (Octávio e Helena), a boemia desregrada com amigos e o sonho do alcance da grande Pedra ao longo do mar. 
Juntos, compõem personagens, entre reais e imaginários, que ora atordoam, ora libertam Benjamim Zambraia em sua vida, seja a dele mesma ou a que a câmera invasora insiste em realizar. Há imagens icônicas, de paisagens do mar, do seu contorno de morros e grandes pedras, de favelas, ruas e avenidas cheias, bares e outras cenas do Rio, entre arquivos e locações, intercaladas, submetidas à texturas as mais variadas, efeitos os mais diversos. Num filme de narrativa entrecortada, não linear, com a cara de um cinema underground, com momentos de cinema trash, que às vezes congela, se interrompe e segue, e que zomba dele mesmo. 

A imagem, já próximo ao final, da câmera antagonista em chamas, agonizante, devorada pelo fogo, junto a um grande balde de pipoca, é carregada de forte sentido alegórico, com drama, humor, entre a chanchada e a science fiction, ou as duas. 

A câmera personagem traz também o filme para a linha crítica da vida vigiada contemporânea, de um ao redor panóptico que tudo vê, registra e controla.
Um filme de vigor e rigor, autoral, que vem sendo realizado por seu autor há vários anos, e que propõe descortinar o cinema brasileiro de um modo anárquico, mas também cerebral e afetuoso.
Um filme instigante, e que ricocheteia na base do crânio.

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