Pretty Baby

CINEMA, TRANSGRESSÃO, EROTISMO E NINFETAS


Pretty Baby -- Menina Bonita, um cult movie do diretor francês Louis Malle, produção de 1978, está comemorando 40 anos de existência. Está em exibição no canal de assinatura Film&Arts desde novembro, na celebração dessas 4 décadas de seu lançamento. Obra cinematográfica singular de seu autor, em sua estreia Hollywoodiana, cuja temática controversa, ousada e sensivel, inspirou também outros realizadores -- a do erotismo mítico da ninfeta.
Lolita, livro clássico de Vladimir Nobokov e filme de Stanley Kubrick (1962), Taxi Driver, roteiro de Paul Schrader e filme de Martin Scorsese (1976), Manhattan, roteiro e filme de Woody Allen (1979), Beleza Roubada, filme de Bertolucci (1996), são alguns de seus pares.
O cinema, a literatura e também a pintura, como em Manet e Toulouse-Lautrec, trataram inúmeras vezes da paixão, do amor e da sedução envolvendo a figura sexual da ninfeta como objeto de representação.
Sue Lyon foi Lolita, Jodie Foster foi Iris, Brooke Shields foi Violet, Mariel Hemingway foi Tracy, Liv Tyler foi Lucy. Jovens atrizes, e suas personagens, entre outras, que marcaram para sempre o imaginário erótico-cinéfilo-masculino.
No paralelo com as ninfetas, há outras divas e estrelas a lembrar, ícones no cinema como prostitutas e mulheres objeto do desejo. As mais marcantes, Marlene Dietrich, no eterno Anjo Azul, de Sternberg; Greta Garbo e sua Dama das Camélias, no clássico de Alexandre Dumas; Liz Taylor, em Disque Butterfield 8, de Daniel Mann; Audrey Hepburn, a Bonequinha de luxo, de Blake Edwards; Shirley MacLaine, Irma la Douce, de Billy Wilder; Sophia Loren, a Filomena Marturano, de De Sicca; Giulietta Masina, a Cabíria de Fellini; Melina Mercouri em Nunca aos domingos, de Jules Dassin; Catherine Deneuve, la Belle de Jour, de Buñuel; Barbara Sukowa, a Lola de Rainer Fassbinder; Liza Minnelli, a Sally Bowles de Bob Fosse; Julia Roberts e sua Linda Mulher, de Garry Marshall; Nicole Kidman, a Satine de Moulin Rouge.
São tantas e muitas outras, musas, sedutoras, glamurosas, trágicas, mulheres fatais, que habitaram telas e memórias inesquecíveis, onde o bordel e o cabaré, a sensualidade e a luxúria, traduziram, em narrativas diversas, o lugar e o espírito da negociação do desejo, do prazer e da felicidade.
O filme Pretty Baby, mostra a mãe e prostituta Hattie, vivida por uma extasiante Susan Sarandon, e o ritual de iniciação de sua filha Violet, a ninfeta doce e rebelde, encarnada por Brooke Shields, menina, pré-adolescente roubada de sua infância, poeticamente sexualizada com maestria por Malle, entre a inocência e a malícia, e que traduz a moral sexual dos anos 70, muito menos conservadora do que nos tempos atuais. Esse filme, visto em sua transgressão, ao tratar da ninfeta e de sua força tentadora de sedução, seria impossível de ser realizado hoje, em tempos de Me Too, com seus acertos e exageros, do politicamente correto e de conquistas e direitos feministas empoderados.
Em Pretty Baby, a prostituição infantil é tema e não a proposta do filme. Em sua cronologia, no início do sec. XX na cidade de New Orleans, o cenário é um requintado bordel familiar, da cafetina de pulso forte e coração aberto, onde convivem gerações de mães e filhas que se apropriam dos mesmos códigos e artimanhas do amor que se compra e vende, habitando os mesmos cômodos e segredos, e até clientes.
Entre belas e semidespidas mulheres, circulam os elegantes e decadentes senhores da elite local, que ao som de acordes de um piano festivo, e do tilintar de brindes, fazem suas escolhas. Por entre eles e elas, brincam, correm e crescem meninas e meninos, também frutos da casa.
O personagem do jovem e esquivo fotógrafo, na caracterização do ator Keith Carradine, é uma dissonância sobre o vulgar da crônica habitual do casarão. Ele, com sua máquina de retratos, uma novidade tecnológica da época, ao contrário dos demais, se apropria do corpo da mulher somente através da sua representação pictórica fotográfica. Em sua exceção à regra, voyeur incessante e compulsivo, exibe um misto de paixão e amor terno e platônico, correspondido aos poucos pela encantada jovem ninfeta. É principalmente através de seus olhos, que assistimos à famosa e profana cena de alta voltagem e erotismo, em que Violet é oferecida, carregada sobre uma luxuosa bandeja, num leilão de sua virgindade, para disputa de lances entre vorazes e endinheirados compradores, vencida por um deles, numa oferta de 400 dólares. Essa, a sequência símbolo de uma narrativa que não evita nem disfarça a carga erótica que perturba e desorganiza os padrões culturais de autorização e permissão do desejo. Nesse dia, nessa noite, dá-se a inserção da menina, de cabelos louros e cacheados, precocemente sexualizada, no mundo por ela já desejado, sonhado e imaginado, entre a fantasia e a realidade, a de sua iniciação como mulher, entre os lençóis de seda, corpos ávidos, gritos, suspiros e gemidos.
Algum tempo depois, será através desse estranho personagem observador, que se dará o seu primeiro acolhimento afetivo, após a fuga do bordel e do seu destino traçado na prostituição infantil. Em novo abrigo, a iniciante, fulgurante e promissora vida nos quartos do casarão será substituída pelo encontro entre dois amantes, num casamento, tênue, instável, em tom obsessivo, entre o fotógrafo e sua modelo, numa aproximação de corpo e alma, de afetos conturbados, que às vezes se confundem como entre pai e filha, repleta de novos cliques, poses e fotos sensuais.
No filme, erotismo e perversão estão lado a lado com amor, poesia e delicadeza. Não há o trágico como resultado, mas sim a esperança da vida a seguir, a partir de outras rupturas que se darão, onde as marcas de um passado de tintas fortes, aventuras mas também de aflições e desventuras, possam encontrar a redenção, em nova etapa, incluindo o reencontro entre mãe e filha, e que apontará a promessa de um novo acolhimento e o redimensionamento dos papéis familiares.
Um futuro a ser reconstruído para além dos vestígios de cores, luzes e sombras dos cômodos e clientes de um velho e já distante bordel, universo mágico e erótico de iniciação sexual da ninfeta.
Um novo tempo, um novo percurso, quando uma nova foto é clicada na cena da estação, na travessia para uma nova história e na busca de uma renovada imagem e identidade, agora a da contida menina de tranças. Onde possa ressurgir, ou não mais, o bem mais precioso e valioso a ser redescoberto por Violet, sua infância.

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