Joaquim Pedro de Andrade

MESTRE JOAQUIM


Em um 25 de maio nasceu Joaquim Pedro de Andrade, um dos grandes autores de nosso cinema. 
Eu o conheci em 1975, em Brasília, após a exibição, em pré-estréia, de seu "Guerra Conjugal", filme baseado em livro de contos do escritor Dalton Trevisan, um panorama bem humorado de relacionamentos amorosos. Após a sessão, houve um jantar com vários artistas e personalidades da área da Cultura. Dei carona e ele no meu carro, um fuska, conversa rápida e gentil, um homem fino e muito culto. Cena rápida, gravei na memória. Morava em Brasília, cursava o mestrado em Comunicação na UnB. Na época, ditadura militar na fase da "distensão" do governo Geisel, através do Ministro Ney Braga houve uma tentativa de atração de artistas e intelectuais para elaboração de um plano nacional de cultura. 
Depois, o revi outras vezes, em festivais de cinema e numa sessão no Rio, de "O Homem do Pau Brasil" (1981), um tipo de comédia fantástica, na tentativa de narrar a biografia e peripécias do jornalista e escritor ícone do modernismo Oswald de Andrade. 
Seu curta "Couro de Gato", no longa "Cinco Vezes Favela" (1962), foi meu primeiro contato com seu cinema. Um filme sobre meninos do morro, da favela, e a preparação do Carnaval, com narrativas paralelas acidentadas que vão se superpondo e convergindo, um dos melhores exemplos da função da montagem cinematográfica, uma aula de cinema de um mestre! Seus outros curtas como "O Poeta do Castelo" (1959), "O Mestre de Apicucos" (1959), "O Aleijadinho" (1978), são obras de puro estilo, na reverência a outros mestres das artes.
De Joaquim, alguns longas em especial. "Garrincha, Alegria do Povo" (1962), documentário com texto de Armando Nogueira sobre o anjo das pernas tortas, as jogadas e molecagens com a bola do craque e ídolo do Botafogo. "O Padre e a Moça" (1966), baseado em poema homônimo de Carlos Drummond de Andrade, o drama sobre o amor proibido, o desejo, o delírio, a fuga e a culpa, com Paulo José e Helena Ignêz. "Macunaíma" (1969), a mitologia da raça brasileira, o homem preguiçoso e sem nenhum caráter, adaptação do romance de Mário de Andrade, com o personagem interpretado em duas fases, pelos atores Grande Othelo, o Macunaíma negro no sertão, e Paulo José, o Macunaíma branco na cidade.
Todos entre os melhores filmes brasileiros, para sempre serão.
Literatura e Cinema andaram juntas com Joaquim, talvez de todos, o que melhor soube lidar com as duas linguagens, conhecê-las, compreendê-las, amá-las, fazê-las confiar nele, na sua alquimia de gran mestre transformador. Destas adaptações o destaque maior resultou, sem dúvida, em "Os Inconfidentes" (1972), filme baseado em textos do "Romanceiro da Inconfidência", da poeta Cecília Meireles, e dos "Autos da Devassa da Inconfidência Mineira", documento judicial do século XVIII. Nele, o imenso referencial histórico e poético e o destaque para a câmera de Joaquim, surpreendente, inusitada, incômoda.
No filme, os atores, os personagens inconfidentes Wilker, Peréio, Carlos Kroeber, Luis Linhares, Fernando Torres, Nelson Dantas, em figurinos de época, na prisão e antes dela, declamam os versos diretamente para a câmera, versos ora políticos, ora trágicos, ora amorosos, linguagem nunca comum no cinema ficcional.
Joaquim mandava aqueles versos e principalmente os textos acusatórios, no olho da câmera, no olho do público e como soco no olho da ditadura militar, que censurava e torturava como nunca naquele momento do Brasil. Um filme esplendoroso, como poucos! 
Joaquim Pedro, chamado de Quincas por seus amigos, foi dos primeiros a partir da turma do Cinema Novo, logo após Glauber Rocha (1981) e Leon Hirszman (1987), com 56 anos em 1988.
Diretor e autor refinado de filmes refinados.
Um cineasta singular que buscou revelar um país plural,
afetivo, duro, amoroso, malandro, histórico, cultural, literário, cinematográfico, absolutamente brasileiro.

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