Fernando Barbosa Lima
FERNANDO BARBOSA LIMA: A TV INTELIGENTE
Fernando Barbosa Lima nos deixou há 10 anos. Com ele, houve
uma televisão inteligente no Brasil.
A televisão aberta, em seu mais de meio século de
existência, buscou firmar sua identidade entre o jornalismo e o entretenimento.
Dos anos 60 aos 80 ela refletiu o país conflagrado pelo regime militar. Foi
palco de uma adesão irrestrita à ditadura e também foi lugar de experiências
importantes no seu enfrentamento e na busca da liberdade de expressão.
Uma delas foi, sem dúvida, o Jornal de Vanguarda, na TV Excelsior, anos 60, onde Fernando
revolucionou a linguagem e o conceito do jornalismo na TV, com a introdução de editores e comentaristas na frente das câmeras, com total
liberdade de opinião, além de reportagens e entrevistas articuladas em diversos
quadros. O JV obteve, inclusive, a
primeira premiação internacional da TV brasileira, o prêmio Ondas, em Madri.
Na trajetória da TV, a dicotomia
entre o jornalismo e o entretenimento vem se dissolvendo, com prejuízo claro
para o jornalismo. A informação produzida pelos telejornais passou a estar
associada cada vez mais ao espetáculo, onde as notícias são embaladas e dispostas
a varejo ou desdobradas tal qual mini séries, em
capítulos que durem e mantenham a audiência até que surja um novo assunto para
aplicação do mesmo tratamento.
No momento dramático da crise que
vivemos no país neste 2018, a TV produz cada vez menos jornalismo isento e cada
vez mais o atendimento ao marketing político de adesão a um governo que
instalou o colapso democrático e que chegou ao menor nível de apoio popular na
historia da república. TV que constrói heróis e vilões, que mostra e esconde, conforme
os interesses políticos e econômicos que representam, com narrativas a serviço do desenvolvimento de campanhas,
julgamentos e condenações. Sem falar na vocação irresistível do telejornalismo das
grandes redes para o voyeurismo big brother da invasão da privacidade,
seja de políticos, artistas, atletas e mesmo cidadãos comuns.
Mas já houve uma televisão
inteligente e crítica no país. Na construção da história da TV no Brasil,
Fernando Barbosa Lima marcou um lugar especial, dedicando talento, competência
e paixão a um jornalismo ousado, investigativo, sem conformismo, crítico.
Após seu início, com o
programa Preto no Branco, na TV Rio,
e depois na TV Excelsior com o Jornal de Vanguarda, consolidou um estilo
que iria aprimorar nos anos seguintes. Nos
anos 70, criou o Abertura na TV Tupi,
que recolocou a ousadia na tela, com a cara de Glauber Rocha e de outros
artistas, jornalistas e pensadores brasileiros, que tinham em comum o
compromisso de acreditar e apostar em mudanças no Brasil. Em seguida, criou o Canal Livre, na TV Bandeirantes, que trocou
o medo pela esperança, com entrevistas que marcaram o processo da
redemocratização no país. Nos anos 80 inaugurou a produção independente na TV (Xingu,
Conexão Internacional). Dirigiu a TVE, a TV Manchete e a TV Bandeirantes, deixando
marcas de inovação, criando programas como Sem Censura, Programa de Domingo,
Persona, Advogado do Diabo, Cara a Cara e outros. Nos últimos anos de sua vida, dedicou-se
a produzir em dvds a série documental Grandes
Brasileiros, com o compromisso do resgate da nossa memória, com títulos que
seguem hoje em exibição em canais por assinatura.
Fernando Barbosa Lima nos deixou há
10 anos, em setembro de 2008, mas seu exemplo como profissional e seu legado
ético ficaram. Quando o Jornal de
Vanguarda foi atingido em 68 com a censura do AI 5, decidiu, com dignidade,
tirar o jornal do ar, despedindo-se com a última frase da edição: “Um cavalo de
raça mata-se com um tiro na cabeça”.
Tive a oportunidade e a honra de
conhecer Fernando de perto, trabalhar com ele, aprender com ele, tornar-me seu
amigo, admirar talento e caráter.
Seu livro de memórias sobre sua
história na TV, “Nossas câmeras são seus olhos” (Ediouro/2007), é documento
indispensável e leitura obrigatória para todos os que querem saber como foi
possível fazer uma TV diferenciada e inteligente no Brasil.
Compositor Renato Rocha: Texto tocante e necessário. Elogiemos os homens ilustres, como disse o James Agee.
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