Cinema e Biografia
CINEMA E BIOGRAFIA: RETRATO E REPRESENTAÇÃO
Cinema
e biografia vêm ao longo dos anos fazendo uma associação infalível. Na busca de
construir narrativas que cheguem o mais perto possível do que teria sido a vida
vivida por personagens reais, em seu lugar e tempo histórico.
O cinema biográfico trabalha com a memória de fatos, para resgatar identidades em contextos sociais e culturais. Num misto de linguagem ficcional e documental, se fundem o caráter de retrato e o de representação. Pesquisa de época, comportamento, ambientes, vestuário, linguagem, fornecem o entorno para que personagens sejam construídos em suas ações, percursos, opções, emoções, fraquezas e valentias. Surgem daí as histórias, referenciais e vividas, mas recriadas por atores, roteiristas, diretores. A cinebiografia não se enquadra na livre fantasia ficcional nem no rigor do registro documental, fica no entre lugar, transita.
O cinema biográfico trabalha com a memória de fatos, para resgatar identidades em contextos sociais e culturais. Num misto de linguagem ficcional e documental, se fundem o caráter de retrato e o de representação. Pesquisa de época, comportamento, ambientes, vestuário, linguagem, fornecem o entorno para que personagens sejam construídos em suas ações, percursos, opções, emoções, fraquezas e valentias. Surgem daí as histórias, referenciais e vividas, mas recriadas por atores, roteiristas, diretores. A cinebiografia não se enquadra na livre fantasia ficcional nem no rigor do registro documental, fica no entre lugar, transita.
Hollywood
vem provando seguidamente, e desde sempre, dessa receita. Em exemplos recentes,
Lincoln, Selma, Clube de Compras Dallas, Sniper Americano, O Jogo da Imitação, A Teoria de Tudo, Trumbo, Jobs, Estrelas Além do Tempo, Snowden, Até o Último Homem, são alguns dos filmes em que se narrou a saga
de personagens da América da vida real. No cinema europeu, ontem e hoje, também
inúmeras cinebiografias, algumas desvendando mitos femininos, como Camille
Claudel, Piaf, Maria Callas, Coco Chanel. Na política e na arte em geral, relatos
e homenagens se sucedem, Gandhi, Amadeus, Minha Amada Imortal, Bird,
Patch Adams, A Lista de Schindler, Uma
Mente Brilhante, Chaplin, O Pianista, Capote, Hitchcock, Ray, Diana,
e os recentes Renoir, Hanna Arendt, Rodin, Afterimage, alguns
títulos que marcaram com grande prestígio o sub gênero do cinema biográfico. Entre
lendas e mundos intergalácticos, heróis e vilões oriundos dos comics & graphic novels, comédias
românticas, dramas épicos e fantasias trash,
há sempre histórias reais para serem contadas no mundo imaginado do cinema. No
conjunto, a alternância entre bons filmes, outros excelentes, outros nem tanto.
Neste
início de ano o gênero biográfico volta às telas com obras sobre figuras
marcantes, em três filmes, O Jovem Karl
Marx, Lou e O Destino de Uma Nação. Política e cultura são temas centrais dos
filmes, que narram episódios na vida do pensador alemão Karl Marx, da filósofa e psicanalista russa Lou Andreas-Salomé
e do primeiro ministro inglês Winston Churchill. Nas três cinebiografias, cabem questões sobre o roteiro de cinema e a
didática de exposição dos personagens e suas histórias.
O Jovem Karl Marx, de Raoul Peck (do documentário Eu Não Sou Seu Negro) mostra o jovem pensador e militante alemão, interpretado pelo ator August Diehl, nos anos da revolução industrial, em seus primeiros escritos, na ação política e no encontro e amizade com Engels, até a elaboração do “Manifesto Comunista”, em 1848. O filme, apesar da força do personagem e de suas ideias, incorre num incômodo didatismo. A exploração do proletariado, o trabalho infantil, os baixos salários, as longas jornadas, são denunciados junto com debates políticos e filosóficos encenados de forma um pouco pueril e romântica, a mostrar os jovens filósofos como se em competição num grêmio estudantil. Em muitas sequências, prevalece a pronunciação de textos, inserida na ação dramática. A proposta de juntar personagens, suas práticas, suas ideias, seus textos, o nascimento do movimento operário e a realidade criticada, resulta em reducionismos, onde proselitismo político e biografia vão se encaixando à força, um a serviço do outro, o que soa artificial em muitos momentos. A excelência da reconstituição dos ambientes, seu rigor estético, e o conteúdo progressista, esbarram numa narrativa conservadora, tradicional, onde as ideias não descem muito além da superfície.
O Jovem Karl Marx, de Raoul Peck (do documentário Eu Não Sou Seu Negro) mostra o jovem pensador e militante alemão, interpretado pelo ator August Diehl, nos anos da revolução industrial, em seus primeiros escritos, na ação política e no encontro e amizade com Engels, até a elaboração do “Manifesto Comunista”, em 1848. O filme, apesar da força do personagem e de suas ideias, incorre num incômodo didatismo. A exploração do proletariado, o trabalho infantil, os baixos salários, as longas jornadas, são denunciados junto com debates políticos e filosóficos encenados de forma um pouco pueril e romântica, a mostrar os jovens filósofos como se em competição num grêmio estudantil. Em muitas sequências, prevalece a pronunciação de textos, inserida na ação dramática. A proposta de juntar personagens, suas práticas, suas ideias, seus textos, o nascimento do movimento operário e a realidade criticada, resulta em reducionismos, onde proselitismo político e biografia vão se encaixando à força, um a serviço do outro, o que soa artificial em muitos momentos. A excelência da reconstituição dos ambientes, seu rigor estético, e o conteúdo progressista, esbarram numa narrativa conservadora, tradicional, onde as ideias não descem muito além da superfície.
Filme
que segue na mesma linha é Lou, da
diretora alemã Cordula Kablitz-Post, onde a escritora, filósofa e psicanalista
russa Lou Andreas-Salomé é mostrada em quatro períodos de sua vida, a partir de suas memórias lembradas pela
personagem quando já aos 72 anos. Entre as atrizes, a bela Katharina Lorenz faz
o papel na fase adulta. Em flashbacks,
sua infância e juventude na comunidade alemã de São Petersburgo, sua maturidade
como escritora e filósofa na Alemanha, seus relacionamentos conturbados com intelectuais como Rilke, Paul Rée, Freud e Nietzsche,
seu desejo por viver com independência e liberdade. Aqui, também o didatismo
como forma de encaixe entre ações e exposição de ideias. Oratórias de textos dos
diversos personagens se alternam, para que possamos conhecer trechos de suas
obras, com pouca liga na ação dramática. No filme, o capricho em efeitos visuais sobre fotos de época, e o mérito de trazer ao público
uma escritora com a importância da biografada, pouco divulgada por aqui. Uma
intelectual transgressora, a frente de seu tempo, tratada em cinebiografia conservadora,
com abordagem filosófica superficial e cenas esquemáticas, com prejuízo do
fluxo narrativo.
O
Destino de Uma Nação, do britânico Joe Wright (de Anna Karenina, Orgulho e
Preconceito e Desejo e Reparação),
é um thriller político, que consegue escapar do didatismo. Filme que mostra os
18 dias dramáticos vividos pelo Reino Unido e o novo primeiro ministro, em maio
de 1940, na decisão de recuar num suspeito tratado de paz ou enfrentar o terror
nazista de Hitler. A atuação esplêndida de Gary Oldman no papel de Winston
Churchill lhe rendeu o Golden Globe deste
ano, seguindo atrás do prêmio do Oscar de melhor ator. Aqui, um filme onde o personagem
biografado e suas ideias estão entrelaçados e inseparáveis. Nas afiadas conversas
de bastidor com aliados e desafetos, nos resmungos com a secretária
datilógrafa, nos diálogos íntimos com a esposa, interpretada por Kristin Scott Thomas,
nas audiências com o rei, ou em seus pronunciamentos na câmara, o controverso Churchill
é acima de tudo o que pensa, a forma de expor e o brilho de convencer. Suas
falas e discursos são intrínsecos e orgânicos à narrativa, apontam o desafio em
vencer, seus adversários internos e a própria guerra. A palavra é protagonista,
nos textos do personagem reside o próprio argumento do filme. Após o famoso
discurso final no parlamento “...vamos lutar nos mares e oceanos, nas praias,
nos lugares de desembarque, nos campos e nas ruas, nós nunca vamos
desistir...”, o comentário de um adversário político, sobre seu poder de enfrentamento
e convencimento: “ele acaba de convocar a língua inglesa e a levou para o campo
de batalha”. Na cinebiografia de Churchill, em tempo curto, urgente e crucial, um
cinema de interiores, de pouca luz, e muito falado. Com o encontro bem sucedido
das esferas do público e do privado, da razão e da emoção, do humano e do
político, do conflito e da síntese. E a fluidez entre história real e linguagem
artística, na atuação, direção de arte, maquiagem, fotografia, movimentos e
angulações de câmara, roteiro e direção.
Cinema e biografia, sempre um desafio. De buscar a escolha e o recorte, em vez da totalidade de fatos de uma vida. De não propor o retrato fiel da realidade, mas sua representação. Mais que reconstituição, a reconstrução. Onde história e documento possam se equilibrar no tempo dramático da ficção.
Cinema e biografia, sempre um desafio. De buscar a escolha e o recorte, em vez da totalidade de fatos de uma vida. De não propor o retrato fiel da realidade, mas sua representação. Mais que reconstituição, a reconstrução. Onde história e documento possam se equilibrar no tempo dramático da ficção.
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