São Bernardo

SÃO BERNARDO, GRACILIANO, LITERATURA E CINEMA.

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No mês de outubro nasceu um dos maiores escritores brasileiros, Graciliano Ramos, em Alagoas, 1892, tendo nos deixado em 1953.
De sua obra, os romances, "Vidas Secas", "São Bernardo" e "Memórias do Cárcere" foram adaptados para o cinema, "Alexandre e Outros Heróis" para telefilme.
Um grande mestre de histórias, enredos e palavras. "São Bernardo", no seu universo rural, duro e melancólico, é uma obra que espelha muitos dos significados, traços e identidades de um Brasil de contrastes, de opostos, de abismos, de heranças culturais demarcadas, fixadas, na terra e no espírito. Onde mudar é difícil, praticamente impossível.
Literatura brasileira e cinema brasileiro já se cruzaram em diversos momentos.
Admiro diversas das experiências de transposição narrativa para o cinema feitas a partir de criações do gênero literário. Graciliano, Machado de Assis, Cecília Meireles, Jorge Amado, Guimarães Rosa, José Lins do Rêgo, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Dalton Trevisan, Clarice Lispector foram alguns de nossos autores levados à tela, incluídos os do teatro, como Nelson Rodrigues e Guarnieri. Por diretores como Nelson Pereira dos Santos, Paulo César Saraceni, Joaquim Pedro de Andrade, Walter Lima Jr., Roberto Santos, Cacá Diegues, Arnaldo Jabôr, Leon Hirszman, Bruno Barreto, Suzana Amaral e outros. Escrituras em textos e imagens aliaram literatura e cinema com exemplos de qualidade.
Mas "São Bernardo" é uma obra que me impressiona e arrebata de um modo especial, pelo seu caráter e invenção, e pela sua duplicidade literária e cinematográfica  em alto estilo.
Um dos mais importantes romances da literatura brasileira (Graciliano Ramos, 1934) e um dos filmes do cinema brasileiro (Leon Hirszman, 1972) na lista dos cem melhores eleitos pela Abraccine, com nove prêmios em festivais nacionais e internacionais.
Paulo Honório, no livro e no filme (Othon Bastos), um fazendeiro alagoano rude, que faz um contrato de casamento com Madalena (no filme, Isabel Ribeiro), uma professora da cidade, levando-a para a fazenda distante, prometendo lá abrir uma escola.
Leon narra esta história num filme de muita expressividade. Locações, atuações, conflitos, linguagem de câmera, de muita intensidade e beleza.  O ritmo é lento, das aproximações e afastamentos entre os mundos de um e do outro. Aos poucos, as diferenças de cultura, personalidade e visão de mundo entre os dois vão se esgarçando, e também o relacionamento. O conflito, a partir da perda do sentimento de humanidade por parte de Paulo Honório, em contraponto à plena humanidade de Madalena, é o centro da narrativa. Ele, proprietário de terras e gente, torna-se violento, torturado por suas obsessões, desconfianças e ciúmes, e a tragédia se impõe como solução para o conflito no enredo.
Paulo Honório é personagem e narrador que reinventa São Bernardo, morre a fazenda para nascer uma história, lembrada, narrada, escrita, a de um homem dominador e opressor, já vencido pela amargura, e que não conseguiu amar. O cruzamento dessas duas temporalidades é extraordinário. Madalena, mulher forte e frágil, a professora culta e sensível, de espírito humanitário e desejo de justiça e transformação, a busca pela dignidade humana. No seu papel a representação de um novo tempo da mulher e da consciência feminina no mundo machista e violento do sertão chamado Brasil.
O rigor estético e formal de Leon é impecável. Os planos abertos com o domínio da voz over de Othon na primeira parte do filme, se transfigura para uma linguagem mais de planos fechados a partir da chegada da personagem Isabel, quando confronto psicológico entre os dois se acentua.
Um filme emblemático sobre oposições entre ascenção e decadência, natureza e cultura, masculino e feminino, agonia e esperança.
O filme foi relançado em 2013 num box de dvds do Instituto Moreira Salles - IMS, junto com os outros dois títulos baseados em obras de Gracilano. Tem também no elenco Mário Lago, Vanda Lacerda, Rodolfo Arena, Nildo Parente, Jofre Soares. Trilha musical de Caetano Veloso e fotografia de Lauro Escorel.
"São Bernardo", entre o social e o psicológico, é obra sobre os limites da terra, os limites do poder e do domínio, os limites da paixão, os limites da dor, os limites da vida, os limites e amplitudes da arte de narrar.

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