Doze Homens e uma Sentença


CINEMA E JUSTIÇA, ARTE E TÉCNICA

Poucos filmes são mais atuais sobre questões da aplicação da justiça do que Doze Homens e uma Sentença / 12 Angry Men (EUA, 1957).
Obra prima de Sidney Lumet! Já clássico, vencedor do Urso de Ouro do Festival de Berlim.
Cinema e realidade são campos distintos, mas se alimentam mútuamente ao longo da história, muitos temas perpassam os dois universos, um deles a justiça dos homens.
Um filme oportuno para ver e rever nos dias correntes, onde a correta aplicação da justiça no Brasil por tribunais vem sendo questionada, segundo luminares do próprio mundo jurídico, nacional e internacional, postos em cheque preceitos da lei bem como do comportamento ético de seus ministros. No país real, a referência cabe a juízes e magistrados profissionais, que protagonizam cenas em instâncias inferiores às superiores. No filme de Lumet, os personagens são integrantes de um júri popular, no modo em que se reúnem em alguns estados dos EUA. Tanto lá como cá, no real ou na representação, nem sempre a justiça sendo encaminhada com o rigor e o balizamento exigidos e esperados.
Aqui, reflexões sobre o filme, e também a dica de um livro essencial sobre a arte e a técnica do cinema, escrito pelo seu diretor.
O filme, de temática muito atual, expõe e desidrata a ideia de justiça e seus fundamentos, ao mostrá-la como resultado de opinião de pessoas, fundada em incertezas, valores morais, inseguranças, carga cultural, preconceitos, neste caso a dos jurados reunidos numa sala de um tribunal, para proferir sentença a partir de uma acusação de um assassinato, cuja pena seria a de morte. Na tela, várias questões de uma pauta muito conhecida entre nós, como a presunção da inocência, princípios constitucionais versus senso comum, falhas no sistema de testemunhas e o poder aleatório dos julgadores. Um libelo sobre a fragilidade do conceito de justiça, e um filme exemplar sobre a contraposição de argumentos, a dialética, o contraditório e a persuasão.
Por esse filme, e também por 3 outros, Lumet foi nominado ao Oscar de melhor diretor pela Academia de Hollywood, não obtendo a estatueta nas 4 ocasiões. Ganhou o Oscar honorário pela obra, em 2005.
Sobre esse notável filme, para além da história contada, dos embates travados nas discussões acaloradas entre os personagens no papel de juízes, é necessário e fundamental destacar o estilo e o modo de narrar. É quando a linguagem se entranha no tema, e concorre de forma decisiva para obtenção do clima e da temperatura do drama.
Em um dos capítulos de seu genial Fazendo Filmes (Rocco, 1998 / Making Movies, Amjen, 1995), Lumet nos dá uma aula sobre direção de atores, posicionamento de câmera e uso de lentes, sobre como criou o clima caustrofóbico e asfixiante na antológica sala do júri. A construção simbólica da ideia e sensação do aprisionamento, que se realiza com tensão crescente. Lumet descreve sobre seu "enredo de lentes" com o qual o ambiente da sala vai ficando cada vez menor, através não só da sucessiva mudança de lentes como a de posicionamento da câmera, que vai descendo, ao longo do filme, da altura de acima para a posição abaixo da linha do olhar dos personagens. Até chegar aos momentos finais, onde já nos parece faltar o ar, e com a presença já enorme do teto sobre as cabeças dos atores.
É um exercício impressionante ver o filme antes e rever depois da leitura de suas considerações técnicas. O filme muda diante de nossos olhos, já com o domínio do que Lumet nos revela sobre sua mágica escritura cinematográfica. E como, a partir dela, cresce o desempenho de um elenco brilhante onde pontua Henry Fonda, além de Lee J. Cobb, Jack Warden, Martin Balsam, entre outros grandes atores. Cinema que vai muito além do gênero filme de tribunal.
Sidney Lumet, um mestre! Quando a técnica, muitas vezes invisível, se mostra a serviço do artístico.
Também no livro, seus comentários sobre a direção e a construção de outros de seus ótimos filmes ‐- realizou mais de 40, como Vidas em Fuga, O Homem do Prego, Serpico, Um Dia de Cão, Assassinato no Orient Express, Rede de Intrigas, Equus, O Veredicto
Argumentos sólidos, técnica aprimorada. Vale ver e ler. Filmes e segredos, de quem fez cinema de excelência. Sobre justiça, ética e poder. Temas universais que marcam e assombram o mundo ao redor, a vida de todos nós.

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