Projeto Flórida


PROJETO FLÓRIDA, O AVESSO DA MAGIA

Projeto Flórida, de 2017, em cartaz nos cinemas, é um filme de anti-clima. Que desconcerta continuamente o espectador que torce para os personagens irem para o lado certo e deixem de correr perigo. O que não adianta, o desconforto, mais nosso que deles, é a trilha que vão seguindo, do início ao fim, em pulsação acelerada e inquieta. Filme do cineasta independente Sean Baker, que já nos mostrou em 2015 um melancólico conto de vésperas de natal, nas ruas de Los Angeles, onde prostitutas, travestis e motoristas de taxi habitam o insólito e instigante filme Tangerine.
Em Projeto Flórida, o diretor nos leva numa viagem aos arredores de Orlando, onde, no lugar da magia e esplendor celebrados por turistas do mundo inteiro, o panorama é sombrio e caótico, às margens da rodovia principal, à margem da sociedade, que construiu e elegeu o templo oficial do enterteinement da infância e da família. Em vez dos castelos do Magic Kingdom, um motel barato de beira de estrada é o cenário em que vamos encontrar figuras sem nenhuma realeza ou mesmo encanto que se assemelhe ao mundo mágico da Disneyworld.
No filme, a menina Moonee, com sete anos de idade, é a protagonista das aventuras e desventuras de um segmento que vive excluído do sonho americano. Sua rotina é, junto com outras duas crianças, moradoras do lugar, aprontar o máximo de pequenas delinquências, desde cusparadas nos carros estacionados, desligar a energia dos predios, furtar objetos, simular indigência para obter esmolas dos turistas passantes, até provocar depredações e incêndios deliberados no entorno. A compulsão pelo delito da perversa e transloucada Moonee e seus amiguinhos leva quase à loucura o atento e paciente Bobby, gerente zelador do motel em que moram, interpretado com brilhantismo pelo ator Willem Dafoe, personagem sempre desafiado por mais alguma façanha ou peripécia da turminha incansável em provocar o caos e a desordem. Pelo papel, Dafoe, na maestria entre o bom e o mau humor, concorreu recentemente ao Oscar de melhor ator coadjuvante.
No contraditório, virtude das boas narrativas, Moonee nos agride por seus sucessivos atos de maldade, ao mesmo tempo que nos cativa, pela condição de criança, desprotegida e largada no perigoso mundo, por outro personagem símbolo da marginalização, sua jovem mãe solteira, a desbocada e insolente Halley (atriz Bria Vinaite), que vive de pequenos expedientes fora da lei, entre biscates, roubos e prostituição. Mãe e filha, juntas e separadas, inventam como podem o amor num tempo de dificuldade e abandono, na luta para sobreviver. Vão pagar o preço amargo dos que vivem na margem do risco. Elenco em atuação impecável, com destaque para a atriz mirim Brooklynn Prince, num drama realista de grande impacto, câmera na mão como se filmado através de um olhar doméstico, cúmplice, quase amador, entretanto sofisticado, com roteiro e direção de quem busca desvendar comportamentos, frustrações e sentimentos daqueles que vivem no lado contrário, a colecionar derrotas a cada passo, a cada ida e vinda.
Ver Projeto Flórida é comprar o ingresso para a periferia do glamour, do faz-de-conta, da fantasia. Para os parques da Disney, o mundo encantado, no seu inesperado e angustiante lado avesso.

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