No Portal da Eternidade

VAN GOGH, AFETOS, CORES E LUZES



Em cartaz o brilhante e luminoso filme de Julian Schnabel, No Portal da Eternidade (EUA, 2018), com Willen Dafoe no papel de Vincent Van Gogh, na disputa pelo Oscar 2019 de melhor ator.
Os últimos anos do pintor holandês em Arles e em Auvers-sur-Oises, na França, são tratados com sofisticada paleta de cores e luzes, com a estética pictórica de Schnabel, que também é pintor, nos guiando pela visão do artista, em sua poética, inventiva e rigorosa observação da natureza. Belíssimos planos em filme que alterna a vertigem contemplativa do pintor em sua apreensão da beleza ao seu redor, nos campos de trigo, oliveiras, ciprestes e girassóis, e os movimentos ágeis e elegantes de câmera na mão a indicar o processo mental do artista em seu ato de criação e imaginação. Dafoe, emocionante, um ator à beira da perfeição, compõe um Van Gogh vigoroso, sensivel, iluminado, compulsivo, psicótico e depressivo, nos permitindo admirar o grande artista pintando inúmeras telas, na fase em que criou 860 obras, em seus últimos dois anos de vida. Algumas participações especiais contribuem para bom fluxo do filme, Oscar Isaac (Paul Gauguin), Emmanuelle Seigner (Madame Ginoux), Mads Milkkelsen (Padre), Mathieu Amalric (Dr. Paul Gachet). 
O cinema tem aproveitado bem, ao longo de décadas, o ideal do artista amargurado encarnado pelo genial e atormentado Van Gogh, intenso em sua expressão na pintura, em sua luta pela sanidade mental, na força dramática de sua obra e no desfecho trágico de sua vida. Antes de Schnabel, o pintor foi tema em 5 filmes. Vincente Minelli, Robert Altman e Maurice Pialat o fizeram personagem em dramas biográficos, representado por Kirk Douglas em Sede de Viver (EUA, 1956), Tim Roth em Vincent & Theo (Reino Unido/Itália/França/Países Baixos, 1990) e Jacques Dutronc em Van Gogh (França, 1991). Foi em 1948 a primeira incursão do cinema sobre o artista, com o curta francês Van Gogh, de Alain Resnais, onde o cineasta fez um ensaio estético em PB, tendo vencido o Oscar de melhor filme em curta-metragem de 1950. E recentemente, um quarto longa, Loving Vincent (Reino Unido/Polónia, 2017), dirigido por Dorota Kobiela, a primeira animação utilizando inteiramente a técnica da pintura a óleo, filme comentado aqui no blog. 
Nova tentativa de capturar a essência do artista, No Portal da Eternidade, que conta com o auxílio luxuoso de Jean-Claude Carrière no roteiro, é uma cinebiografia em grande estilo, que alterna o tempo pesado do drama do personagem, em alguns momentos exaustivo, com a leveza do encantamento poético-plástico. Nos diálogos ferinos com Gauguin, nas tabernas escuras e nos campos abertos, Van Gogh via-se constantemente alvo de críticas duras: "Seus quadros parecem feitos de argila, lembram mais escultura do que pintura". A incompreensão de sua obra por muitos o levava a níveis de forte baixa estima e auto abandono. O que não o impediu, em meio a tantas crises, de seguir determinado atrás do que dizia ser sua ambição, a descoberta de uma nova luz. 
O filme busca acompanhar e representar uma vida que se fez arte através das pinceladas impulsivas de um genial e torturado criador, um fora de série e outsider do universo da pintura dos fins do século XIX, que não obteve êxito em vida mas cuja obra mudou os rumos da história da arte ocidental. 
Numa das belas cenas, em que o artista após muito caminhar se senta na paisagem em ato de contemplação além do horizonte, ele diz: -- Ao fim da planície, ao se perder de vista, começa a eternidade. 
Cinema de cores e texturas, de afetos e sentimentos, de securas e inquietudes, de capturas e enquadramentos, do encontro estético do olhar entre o pincel e a câmera. E para além da pintura e do cinema, o filme nos deixa um ser enigmático e vulnerável, na inspiração e na aflição, visceral em sua humanidade, a mesma de cada um de nós. Insano, intangível e indecifrável, enquanto artista no portal de sua eternidade.

Comentários

  1. Eu vi o filme, é uma pintura! Dafoe merece o Oscar. O público sai do cinema mais iluminado do que nunca. No meu caso transpirando sensibilidade. Triste por ser ele um maravilhoso artista, incompreendido, que viveu bem à frente do seu tempo, e feliz pela constatação de que a felicidade independentemente do talento de cada um, está bem ali, nas cores e na luz da paisagem

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