Vinicius e o cinema de seus olhos


VINICIUS E O CINEMA DE SEUS OLHOS

Nesse julho de 2018 faz 38 anos sem Vinicius de Moraes (1913 -1980). Nosso poeta encantado e inspirado letrista foi, artista quando jovem, crítico de cinema, escrevendo e publicando seus textos nos jornais A Manhã, O Jornal 
e Diário Carioca nos anos 1940, e em Última Hora nos anos 1950, a convite de Samuel Weiner. Escreveu também para algumas revistas da época, como Diretrizes, Clima e Filme. Sua obra de referência sobre cinema era o livro Film Technique, do teórico e cineasta russo Pudovkin, de onde tirava elementos para seus principais conceitos e ideias. Cultivou amizade com muitos outros apaixonados pelo cinema, como Paulo Emílio Salles Gomes, Octávio de Faria, Otto Maria Carpeaux, Alex Viany e Orson Welles. Suas críticas foram reunidas mais tarde no livro O Cinema de Meus Olhos, pela editora Companhia das Letras, publicado em 1991. 
Lado pouco conhecido do poeta, o cinema o fascinava, seus escritos são prosa poética, saborosa de ler. "O que era saudade fez-se lembrança e o que era lembrança fez-se cinema. No fundo, o cinema é a fecundação da imagem subjetiva pelo primeiro fogo na treva." 
Seus primeiros textos defendiam o cinema mudo, foi integrante do Chaplin-Club e declarou ter visto Luzes da Cidade por mais de vinte vezes. Um dos segmentos do livro reúne artigos dedicados a Carlitos, lá um olhar afetuoso, sensivel. "Não terá a criatura de Chaplin nascido mais da compreensão do movimento puro das crianças e dos pássaros ingleses - que frequentam igualmente as ruas pobres de Londres - que da sua experiência de vaudeville vivida na célebre trupe de Fred Karno?" Em 1944 Vinicius foi afastado do jornal A Manhã, por pressão dos distribuidores de filmes americanos, que ameaçaram retirar publicidade do jornal se mantivesse o colunista que debochava implacavelmente de Hollywod. Sua admiração por filmes, diretores, atrizes e atores, se espalhou em muitos textos, curtos e longos, ferinos, apaixonados. Envolveu-se em arroubos e polêmicas com Carlos Drummond de Andrade, saindo em defesa de Marlene Dietrich contra Drumond, que a criticava e enaltecia Greta Garbo. Fez em suas crônicas, declarações de amor e paixão por Lillian Gish, Mary Pickford, Greer Garson, Paulette Goddard, Joan Fontaine, Carole Lombard, Vivien Leigh, Ingrid Bergman e tantas a quem sempre denominava mulher de cinema. Seus últimos escritos críticos foram sobre os filmes Hiroshima Meu Amor (Resnais) e Um Rei em Nova York (Chaplin). Após 20 anos de critica cinematográfica, teve sua obra teatral Orfeu da Conceição filmada (Orfeu Negro, Marcel Camus, 1959) e decide então abandonar a crítica, considerando incompatível conciliar a condição de crítico e de homem de cinema.
Seus textos misturavam paixão e erudição, duas vertentes que iluminaram sua produção e sua própria vida.
"Rosebud, 1941
Quanta gente não vai pensar em rosebud, daqui a dois ou três anos, vendo o filme do Welles num cinema qualquer, longínquo do Brasil? Rosebud, a infância; rosebud, a pureza da neve; rosebud, uma sessão de cinema com a namorada, com a família, com os amigos, e as discussões posteriores sobre o que era, o que não era rosebud na vida de Kane, na vida de qualquer pessoa. Rosebud foi um dos maiores testes de inteligência e de sentimento do ano cinematográfico. Rosebud ficou sendo uma chave gnomônica; por outro lado deu margem a mais aventuras de compreensão que o “Soneto das Vogais” de Rimbaud. Uns achavam que rosebud era o trenó, tout-à-fait; outros achavam que rosebud era a lembrança da neve, memórias dos tempos de menino. Para muitos rosebud não existia, era o mistério da personagem, a sua ligação com Deus. Outros não sabiam o que queria dizer rosebud, e para esses o reino dos céus está garantido. E nessa mesma categoria, adiantavam-se os que não gostavam do filme só porque não entendiam rosebud, achavam que rosebud era negócio de poesia, coisa sem cabimento."
Ler as crônicas de Vinicius, no Cinema de Meus Olhos, é salvar-se de tanta bobagem publicada hoje nos jornalões onde são encomendadas as resenhas que celebram os lançamentos da semana. Ler Vinicius é refinar-se no prazer do texto, elaborado, criativo, inteligente. Ler Vinicius é garantir a viagem rumo à poesia, à cultura, ao sonho, à esperança. Ler Vinicius é ser cúmplice de sua profissão de fé: "Eu creio na imagem. Na imagem toda poderosa. Que constrói o movimento. Que cria o ritmo. Que revela a alma."


Comentários

  1. Adorei te encontrar por aqui. Que texto bom. Também trabalho com cinema, aqui na UFRGS. Grande abraço
    Rosa Maria

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas