Roda Gigante

WOODY ALLEN E O CINEMA DE ATRIZ

A cada ano espera-se o novo Woody Allen. Virtudes e defeitos à parte, seu estilo, sua verve, seu humor, suas neuroses, sua melancolia, seus excessos, nos acompanham há décadas. Ao fim de um, já se começa a aguardar o próximo. Não falo aqui por todos, há os que não gostam, consideram seus filmes repetitivos, auto referentes, simplórios, muito norte-americanos, e até os que os chamam de rádio com imagens. Alguns insistem no lugar comum de comparar cada novo filme com outros mais antigos, e assim desqualificar o mais recente. Casos em que ao humor de Allen, sobra o mau humor de seus críticos. Para muitos, porém, esperar suas novas histórias é quase um vício, hábito, necessidade, renovação lúdica e estética.
Uma produção de 2012, Paris-Manhattan, de Sophie Lellouche, homenageou o cineasta através de uma personagem apaixonada por seus filmes, balconista de uma farmácia em Paris, e que os receitava aos fregueses, retirando da prateleira os dvds e indicando-os para cura das mais diversas doenças. Ao final, o cineasta aparece, como ele mesmo, em uma inesperada participação especial. Um tributo, na mesma linha farsesca do homenageado, bem ao gosto dos fãs.
Na virada do ano tivemos a estreia de mais um sofisticado Woody Allen, Roda Gigante, filmado no balneário Coney Island, no Brooklin, em um parque de diversões à beira-mar. Comédia dramática, com as habituais confusões amorosas, de afetos e desenganos, ambientada nos anos 1950, estrelada por Jim Belushi e Kate Winslet. Mais um filme feito para o brilho de uma grande atriz, no rastro de muitos outros onde as mulheres estiveram no centro dos melodramas escritos pelo cineasta. Kate Winslet se supera mais uma vez, com sua intensa Ginny, atriz fracassada, garçonete de lanchonete e mulher do operador do carrossel do parque. De novo a forte presença feminina em um roteiro sob a direção de Allen, como nos recentes Café Society, com Kristen Stewart, Sob a Luz do Luar, com Emma Stone, e Blue Jasmine, com Cate Blanchet, ganhadora do Oscar. E outras performances memoráveis, como Scarlett Johansson em Match Point, Mira Sorvino em Poderosa Afrodite, Barbara Hershey em Hanna e Suas Irmãs, Mia Farrow em Rosa Púrpura do Cairo, Diane Keaton em Noivo Neurótico Noiva Nervosa. Para lembrar apenas alguns filmes e suas protagonistas, nos dramas, folhetins, comédias e farsas que vem sendo criados na dramaturgia de Woody Allen nos últimos 50 anos. Em Roda Gigante, o esplendor de Kate Winslet, na mulher mal amada que busca redescobrir o amor, numa escala dramática de contida à explosiva, que oscila da tristeza à raiva, e a fotografia em tons laranjas de Vittorio Storaro, com estilosos planos sequencias, belos closes e cores saturadas que realçam fantasias e sentimentos. São eles que imprimem o ar melancólico à mais uma trama romanceada com aventura, conflitos, suspense, traições e decepções amorosas. Com a presença de Justin Timberlake como o salva-vidas da praia, misto de narrador da história e personagem aspirante a escritor, que em citações e comentários sobre livros e peças, inscreve o filme no paralelo dos dramas e tragédias, de Shakespeare, Tchecov, Tennessee Williams, Eugene O'Neill. Na trilha sonora, o requinte de sempre, desta vez o puro jazz dos anos 50 a irromper nas cenas. Onde a roda gigante gira, mas sempre no mesmo lugar, como a indicar a vida meio que sem saída para os personagens, quase todos, quase sempre, perdedores. E onde, mesmo assim, a vida deve seguir.
Tal como Cate Blanchett em Blue Jasmine, Kate Winslet emociona em seu longo quase monólogo final, inspirada talvez na Blanche DuBois de Um Bonde Chamado Desejo, que prepara o impasse trágico impresso no close final em seu rosto. Assinando em alto nivel mais uma presença fulminante da intérprete feminina, o que já se tornou marca essencial no universo nostálgico e romanesco de Woody Allen.

Comentários

  1. Deliciosa resenha. De fato, Woody Allen anual tem se transformado numa espécie de "travesseiro cinematográfico", onde a cada ano repousamos a cabeça e meditamos sobre nossa finitude e vãs pretensões, mas tudo muito bem temperado pelo mais fino e melancólico humor. Allen não é apenas americano ou judaico. É universal.

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